sábado, 27 de janeiro de 2018

Três – Compañera.

Ariela ON

Duas semanas se passaram. Abril deu espaço a maio e os dias continuavam à passar. O movimento no restaurante crescera de forma perceptível e minha reserva de dinheiro também crescera de forma proporcional e reconfortante. Eu não sentia os estertores do pânico ao pensar na possibilidade de que não iria ter dinheiro caso fosse preciso sair do apartamento. Mesmo depois de pagar o aluguel, as contas e as despesas com comida, percebi que, pela primeira vez em anos, tinha dinheiro sobrando. Não muito, mas o bastante para que eu conseguisse me sentir livre e leve... Hoje parei em frente à uma loja de roupas e resolvi fazer algumas comprinhas. Levei a manhã inteira pra examinar as roupas que estavam à venda e comprei dois pares de sapatos, duas calças, um short, três camisetas elegantes e algumas blusas. Encontrei Alina quando estava subindo as escadas. Eu prefiro as escadas do que elevadores. 
Alina: Há, quanto tempo não conversamos, hein? – nos cumprimentamos do jeito que deu.
Desde aquele primeiro encontro, nós não havíamos conversado muito. O trabalho de Alina, qualquer que fosse, parecia mantê-la ocupada, e eu cumpria tantos turnos quanto podia no restaurante.-
Ariela: Por onde esteve? – ela deu de ombros.
Alina: Você sabe como é. Trabalho, faculdade. Tem horas que me sinto como se estivesse sendo puxada em todas as direções – subimos assim, conversando. Quando concluímos, convidei-a para entrar.
Ariela: Fique à vontade – disse assim que entramos na varanda. Alina se sentou em uma das cadeiras de balanço e movimentou os ombros em círculos, tentando relaxar.
Alina: Você está meio vermelha. Tem ido à praia?
Ariela: Não. Fiz alguns turnos extras nas últimas semanas e trabalhei na área externa – disse, afastando uma das cadeiras e abrindo espaço para que pudesse esticar as pernas.
Alina: Sol e água... o que mais tem ali? Trabalhar lá deve ser muito parecido com uma temporada de férias – ri.
Ariela: Não é bem assim. E você, o que tem feito?
Alina: Nada de sol nem diversão pra mim ultimamente – ela disse olhando pras sacolas de compras. – Eu queria ter vindo mais cedo pra tomar outra xícara de café, mas você já tinha saído.
Ariela: Fui fazer compras.
Alina: Estou vendo. Achou algo interessante?
Ariela: Acho que sim – confessei.
Alina: Então me mostra, pô
Ariela: Tem certeza que quer ver? – ela riu.
Alina: Claro. Por que não?!? – tirei uma calça jeans da sacola e a entreguei, que a segurou em frente ao rosto, observando os dois lados com cuidado – Nossa! Você provavelmente encontrou esta calça na Riachuelo. Eu adoro aquele lugar.
Ariela: Como sabe que comprei lá?
Alina: Ah, sei lá – ri. Ela pousou o jeans sobre o colo, e deslizou os dedos sobre o bordado nos bolsos de trás – Os detalhes são lindos, gostei dos desenhos. E o que mais você comprou? – fui lhe passando as peças uma por uma, divertindo-me com a empolgação de Alina com cada uma. Quando a sacola estava vazia, ela suspirou – Bom, agora estou oficialmente morrendo de inveja. E deixa eu adivinhar: não sobrou nada parecido com isso na loja, né? – dei de ombros, sentindo-me repentinamente acanhada.
Ariela: Desculpa. Eu passei um bom tempo lá escolhendo.
Alina: Não tem problema. Você fez boas escolhas.
Ariela: Já começou a pintar os cômodos do teu apartamento?
Alina: Ainda não
Ariela: O trabalho está tomando muito tempo? – ela fez careta. 
Alina: A verdade é que, depois de desencaixotar minhas coisas e limpar tudo do chão até o telhado, eu acho que minha energia acabou. Mas eu fico feliz por ser sua amiga, porque significa que eu ainda posso vir até aqui, que é alegre e colorido – ri. 
Ariela: Pode vir qualquer hora.
Alina: Obrigada, isso significa muito pra mim. Mas o Antônio, aquele homem maldoso, vai me trazer algumas latas de tinta amanhã. Acho que isso explica por que estou aqui. Estou quase em pânico ao pensar que vou passar o final de semana com tinta respingando na minha roupa
Ariela: Não é tão ruim assim. O tempo até que passa rápido.
Alina: Está vendo essas mãos? – perguntou, mostrando as palmas – Elas foram feitas para acariciar homens bonitos, para serem adornadas com unhas bonitas e anéis de diamante. Não foram feitas pra segurar rolos de pintura, ficarem manchadas com tinta ou para fazer outros tipos de trabalho braçal – ri. 
Ariela: Quer que eu te ajude?
Alina: De jeito nenhum. Eu e minha irmã somos especialistas em deixar coisas pra depois, mas a última coisa que quero é que você pense que somos incompetentes. Porque somos muito boas no que fazemos – ri.
Ariela: O que exatamente você faz?
Alina: To fazendo estágio. Faço faculdade de psicologia.
Ariela: Estágio em uma escola?
Alina: Não. Aconselhamento psicológico. Em situações de luto e perda.
Ariela: Acho que não entendi direito. – ela deu de ombros.
Alina: Tento ajudar as pessoas. Geralmente elas me procuram quando alguém muito querido morre – disse. Após uma pausa, sua voz ficou mais suave quando ela prosseguiu – As pessoas reagem de maneiras muito diferentes, e meu trabalho é descobrir como ajudá-las a aceitar o que aconteceu. Aliás, detesto essa palavra, pois nunca conheci ninguém que realmente estivesse disposto a aceitar os fatos. Mas, basicamente, é isso que eu faço. Afinal, independente do quão seja difícil, a aceitação ajuda as pessoas à seguirem em frente com suas vidas. Mas, às vezes... – ela deixou a frase no ar. Em meio ao silêncio, arrancou um pedaço da pintura da cadeira de balanço que estava descascando – Às vezes, quando estou cuidando de alguém, outros problemas acabam surgindo. E é com isso que venho trabalhando ultimamente. Em geral, as pessoas precisam de outros tipos de ajuda também.
Ariela: Parece ser um belo trabalho.
Alina: E é. Mesmo que tenha suas dificuldades – ela concluiu, virando-se pra mim – E você, o que me diz?
Ariela: Você sabe que eu trabalho no restaurante.
Alina: Mas você não me disse mais nada sobre você.
Ariela: Não tem muito mais a dizer. – protestei, desejando que a conversa não fosse por esse rumo. 
Alina: É claro que tem. Todos têm uma história – ela comentou, antes de fazer uma pausa – Por exemplo qual foi o verdadeiro motivo que a trouxe pro Brasil?
Ariela: Eu já disse. Queria um lugar pra recomeçar minha vida. – insisti. Alina pareceu estar olhando através de mim enquanto absorvia aquela resposta.
Alina: Tudo bem. – disse após algum tempo, sem rancor na voz – Você tem razão. Não é da minha conta.
Ariela: Não foi isso que eu disse.
Alina: Foi, sim. Você disse de uma maneira gentil. E eu respeito sua resposta, porque você tem razão: realmente não é da minha conta. Mas, só pra você saber, quando você diz que quer recomeçar a vida, a conselheira que existe dentro de mim se pergunta porque você sente a necessidade de recomeçar. E, mais importante do que isso, o que foi que você deixou pra trás. – senti meus ombros ficarem tensos. E acho que ela percebeu isso, porque prosseguiu – E se fizermos dessa forma? – perguntou de maneira gentil – Esqueça que eu fiz essa pergunta. Mas saiba que, se algum dia você quiser conversar à respeito, estarei aqui pra te ajudar. Sou uma boa ouvinte, especialmente quando meus amigos precisam. E, acredite ou não, às vezes, ajuda bastante.
Ariela: E se eu simplesmente não puder conversar a respeito? – disse em um sussurro involuntário
Alina: Que tal ignorar o fato de eu trabalhar com aconselhamento de pessoas? Somos apenas amigas, e amigas podem conversar sobre qualquer coisa. Como o lugar onde você nasceu, ou algo que te deixava feliz quando era criança.
Ariela: E que importância isso tem?
Alina: Não é realmente algo importante. E é exatamente por isso que estou conversando com você. Você não precisa dizer nada que não queira realmente dizer. – absorvi as palavras, antes de olhar pra ela com os olhos semicerrados.
Ariela: Você é muito boa no que faz, né?
Alina: Eu me esforço. – entrelacei os dedos sobre o colo
Ariela: Tudo bem. Eu nasci na capital da Argentina. – Alina se recostou na cadeira de balanço
Alina: Nunca estive lá. É um lugar bonito?
Ariela: Era um lugar bonito, especialmente durante o outono, quando as folhas começavam a mudar de cor. Eu pensava que nenhum lugar no mundo poderia ser mais bonito que aquele. – baixei os olhos perdida em meio às lembranças – Eu tinha uma amiga chamada Luene e nós costumávamos colocar moedas sobre os trilhos do trem. Depois que o trem passava, nós andávamos em volta dos trilhos para tentar encontrá-las e sempre ficávamos abismadas quando víamos que o peso do trem tinha apagado todas as marcas de cunhagem das moedas. Às vezes as moedas ainda estavam quentes ao toque. Eu me lembro de quase ter queimado meus dedos uma vez. Quando penso na infância, quase sempre são lembranças de pequenos momentos agradáveis como esse. – dei de ombros, mas Alina continuou em silêncio, deixando que eu prosseguisse – De qualquer forma, foi lá que estudei. Sempre na mesma escola. Foi ali que terminei o ensino médio, mas acho que, naquela época... não sei... acho que estava farta de tudo aquilo, sabe? A vida em uma cidade pequena, onde todos os fins de semanas eram iguais. As mesmas pessoas indo sempre às mesmas festas, os mesmos rapazes bebendo cerveja na carroceira de suas caminhonetes. Eu queria mais, mas não consegui ir pra faculdade. Para encurtar uma longa história, acabei indo para o Uruguai. Trabalhei lá por algum tempo, me mudei algumas vezes e agora, alguns anos depois, estou aqui.
Alina: Em um país totalmente diferente. – balancei a cabeça.
Ariela: Este país, esta cidade... é diferente. Faz com que eu me sinta... – hesitei, mas Alina terminou a frase por mim.
Alina: Segura? – quando meus olhos assustados encontraram com os dela, ela parecia estar admirada – Não é tão difícil entender. Como você mesma disse, você quer recomeçar. E que lugar melhor para fazer isso do que esse? – ficamos em silêncio – Soube que conheceu o Júnior.
Ariela: Quem?
Alina: Neymar. Neymar Júnior.
Ariela: Ah... – então ela também o conhece. Me perguntei como. Achei que famosos fossem de tão difícil contato, assim... sei lá.
Alina: Antes que me pergunte. Camile, sua colega de trabalho que conheço à algum tempo, que me contou. Mas eu já me encontrei algumas vezes com ele também. Minha irmã ficava com um amigo dele. Chegou a conversar com ele outras vezes, desde o dia do restaurante? – dei de ombros, como se aquilo não fosse muito importante.
Ariela: Não muito. Ele é gentil quando atendo-o no restaurante – ele tem ido muitas vezes lá, um dos motivos do movimento ter crescido. –  sempre puxa assunto, o que é bem estranho.
Alina: Ele é bom no que faz. – disse segura de si.
Ariela: Tu fala como se o conhecesse muito bem. – ela se balançou na cadeira.
Alina: Acho que eu o conheço, sim. – esperei que ela falasse mais, mas permaneceu em silêncio.
Ariela: Quer falar a respeito? – perguntei inocentemente – Afinal de contas, conversar pode ajudar bastante, às vezes. Especialmente se tiver uma amiga pra te ouvir. – os olhos dela brilharam.
Alina: Sabe, eu sempre suspeitei que você fosse muito mais inteligente do que deixa transparecer. Tá usando minhas próprias palavras pra conversar comigo. Você devia ter vergonha de se esconder assim. – sorri, mas fiquei em silêncio. Da mesma forma que Alina fez comigo. E, de maneira surpreendente, aquela estratégia funcionou – Não tenho certeza do quanto posso dizer – acrescentou – mas posso dizer que ele é um bom garoto. É o tipo de pessoa com quem você pode contar para fazer a coisa certa. Errada também – rimos – É possível enxergar isso no amor que ele tem por sua família, amigos, profissão... – juntei os lábios por um momento. 
Ariela: Você e ele se encontraram SÓ algumas vezes? – ela pareceu escolher suas palavras com cuidado.
Alina: Sim, algumas várias vezes – riu – Mas talvez não da maneira que você esteja imaginando.
Ariela: Qual a história dele? Imagino que ele tenha namorada.
Alina: Seria melhor que você perguntasse a ele.
Ariela: Eu? E por que iria querer perguntar isso à ele?
Alina: Porque você perguntou pra mim – disse erguendo uma sobrancelha – O que significa claramente que você está interessada nele.
Ariela: Não estou interessada nele.
Alina: Então por que você quer saber coisas a respeito dele? – fiz careta.
Ariela: Pra uma amiga até que você é bastante manipuladora. – ela riu e deu de ombros.
Alina: Eu simplesmente digo às pessoas aquilo que elas já sabem, mas têm medo de admitir pra si mesmas. – pensei naquilo.
Ariela: Para que as coisas fiquem claras, estou oficialmente retirando minha oferta de ajudá-la a pintar teu ap.
Alina: Você já disse que faria isso.
Ariela: Eu sei, mas quero retirá-la assim mesmo. – ela gargalhou. 
Alina: Tudo bem, tudo bem. Ei, o que você vai fazer esta noite?
Ariela: Preciso ir trabalhar daqui a pouco. Na verdade, acho que já é hora de começar a me arrumar.
Alina: E amanhã à noite? Você vai trabalhar também?
Ariela: Não. Esse final de semana estarei de folga.
Alina: Então o que acha da gente jantar com minha irmã e alguns amigos dela, na minha casa?
Ariela: Melhor nã... – me interrompeu.
Alina: Ótimo, apareça amanhã às 20h – disse levantando-se da cadeira de balanço e eu fiquei com cara de paisagem. Estamos acertadas, então. – riu. Alina saiu em direção a porta e eu a acompanhei. Nos despedimos e eu fui me arrumar, depois de fechar a porta.

8 comentários:

  1. Ameii! Quero só ver como vai ser o jantar!

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  2. Você escreve maravilhosamente bem
    Parabéns , de verdade
    Sua fanfic é magnífica
    Já espero o próximo capítulo ansiosa

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  3. VC é boa, pode continuar... To amando, descobri agora e já da pra se apaixonar pelo jeito incrível que VC escreve, enfim... Continuaaaa

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  4. Tô muito viciada e encantada com a história e a escrita
    Continua

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  5. Continua logoooooo. Amando muito

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  6. Que maravilhoso, que história maravilhosa, não demora pra postar.

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