segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Nove – Flashback.

Nós voltamos para a cozinha, alguns minutos depois. Deixei minha taça de vinho sobre o balcão e me ocupei com os afazeres do jantar, colocando os aperitivos e os pimentões recheados no forno. Ainda me recuperando do choque que sentira quando Junior revelou detalhes tão exatos sobre meu passado, eu fiquei feliz por ter algo com que me ocupar. Era difícil aceitar que ele ainda quisesse desfrutar de minha companhia naquela noite. E, mais importante, que eu quisesse passar a noite com ele. No fundo do meu coração, não tinha certeza de que merecia ser feliz e também não acreditava que fosse digna de ter alguém que parecia tão... normal. 
Aquele era o segredo sujo associado ao meu passado. Não o fato de ter sofrido com a violência de alguma forma, eu achava que merecia o que me acontecera, simplesmente por ter deixado que tudo aquilo acontecesse. Mesmo agora, eu ainda me envergonhava. Havia momentos em que me sentia incrivelmente feia, como se as cicatrizes do passado ficassem visíveis para todos. Mas, nesse momento e nesse lugar, meu passado importava menos do que antigamente, porque, de algum modo, eu suspeitava que Junior entendia a vergonha que eu sentia. E aceitava aquele sentimento também.
Eu tirei da geladeira a calda de framboesas que havia feito durante a tarde e comecei a despejá-la com uma colher em uma pequena frigideira que já estava quente no fogão. Não demorou muito e, depois de deixá-la de lado, tirei os pedaços de queijo brie enrolados com bacon do forno, cobri-os com a calda e trouxe-os para a mesa. Lembrando-me do vinho que ainda estava sobre o balcão, eu peguei a garrafa e fui me sentar à mesa com Junior.
Ariela: Isso é só para começar. Os pimentões ainda vão demorar um pouco. – ele se inclinou em direção à bandeja.
NeymarJr: O cheiro é maravilhoso. – ele se serviu de um dos pedaços de queijo e o levou à boca. — Tá uma delícia.
Ariela: É bom, não é? — disse sorrindo.
NeymarJr: Maravilhoso.
Ariela: Não precisa exagerar, tá? – rimos.
NeymarJr: Onde você aprendeu a cozinhar assim?
Ariela: Eu tinha um amigo que era cozinheiro. Ele me disse que esse aperitivo consegue encantar qualquer pessoa. – Junior cortou outro pedaço com seu garfo.
NeymarJr: Fico feliz por você ter decidido ficar em Santos. Acho que consigo me imaginar comendo este queijo com calda de framboesas regularmente durante as férias, mesmo que tenha que trocar as minhas refeições totalmente saudáveis por este prato. – ri.
Ariela: A receita não é complicada.
NeymarJr: Você nunca me viu cozinhar. Sou muito bom para fazer pratos que as crianças gostam. A propósito, sei fazer um risoto divino – dei risada e peguei meu copo de vinho e tomei mais um gole.
Ariela: Acho que o queijo vai combinar mais com o vinho tinto. Você se importa se eu abrir a outra garrafa?
NeymarJr: Claro que não. – ele se levantou e foi até o balcão da cozinha. Abriu o zinfandel enquanto fui até o armário e tirei mais duas taças. Junior encheu as duas e entregou uma delas a mim. Nós dois estávamos perto o bastante para que nossos corpos quase se tocassem. Ele limpou a garganta.– Eu queria te dizer uma coisa, mas não quero que você me entenda mal. – eu hesitei.
Ariela: Por que é que tenho a impressão de que não vou gostar do que você vai dizer?
NeymarJr: Eu só queria te dizer o quanto estava ansioso para que essa noite chegasse. Sabe, passei a semana inteira pensando nisso. – levantei uma sobrancelha.
Ariela: Por que você achou que eu entenderia mal?
NeymarJr: Não sei. Talvez por você ser mulher? Porque isso faz com que eu pareça desesperado, e porque nenhuma mulher gosta de homens desesperados? – pela primeira vez naquela noite, eu ri de forma tranquila, sem nervosismo.
Ariela: Eu não acho que você seja um desesperado. Tenho a impressão de que, às vezes, você fica sobrecarregado por conta da família e do futebol. Mas você não é do tipo que fica me ligando todos os dias.
NeymarJr: Eu só não faço isso porque você não tem celular. Mas, mesmo assim, eu queria que você soubesse que tudo isso significa muito para mim. Não tenho muita experiência com esse tipo de coisa.
Ariela: Jantares?
NeymarJr: Não. Encontros românticos. Já faz um bom tempo. “Bem-vindo ao clube”, pensei comigo mesma. – Normalmente não é necessário isso. As mulheres simplesmente se oferecem.
Ariela: Está querendo dizer que só quer sexo? – perguntei no impulso.
NeymarJr: Não. Claro que não. – falou rápido. Aquilo fez com que eu me sentisse bem, de qualquer maneira.
Ariela: Vamos comer — convidei-o a voltar à mesa.
NeymarJr: É melhor comer enquanto ainda estão quentes. – me observou – Por que cortou o cabelo?
Ariela: Não gostou? – me assustei.
NeymarJr: Gostei, claro. – sorri – Mas não faz mais isso...
Ariela: Por quê?
NeymarJr: Eu gostava do tamanho que tava.
Ariela: Não faz sentido. – tremi, sentindo uma pequena onda de pânico me dominando. Ele sorriu me tranquilizando.
Quando o aperitivo estava terminado, eu me levantei da mesa e fui até o forno, dando uma rápida olhada nos pimentões antes de lavar a frigideira que havia usado antes. Eu juntei os ingredientes para o molho do prato principal e comecei a prepará-lo. Quando os milanesas ficaram prontas, o molho também já estava finalizado.
Coloquei um pimentão em cada prato e acrescentei as milanesas. Depois de deixar a cozinha à meia-luz, eu acendi a vela que havia deixado no centro da mesa. O aroma de manteiga e alho e a luz que tremeluzia contra a parede fizeram com que a cozinha parecesse quase nova e com que o ar se enchesse de expectativas. Jantamos e conversamos. Ele elogiou a refeição mais de uma vez, dizendo que nunca havia provado nada melhor. Conforme a vela queimava e a garrafa de vinho se esvaziava, revelei alguns fragmentos e detalhes de meu passado, como a vida que tive nas cidades da Argentina enquanto crescia. Embora não tivesse revelado todos os detalhes sobre meus pais à Alina, eu contei tudo a Junior, sem quaisquer reservas: as constantes mudanças, o alcoolismo de meus pais e o fato de que tive que sobreviver sozinha desde os 17 anos. Junior ficou em silêncio durante todo o relato, escutando sem julgar-me. Mesmo assim, eu não tinha certeza sobre o que ele achava de meu passado. Quando eu finalmente parei de falar, comecei a imaginar se não teria dito coisas demais sobre mim mesma. Mas foi nesse momento que ele colocou sua mão sobre a minha. Embora não conseguisse olhar nos olhos dele, nos demos as mãos sobre a mesa. Eu não me sentia disposta a quebrar a magia daquele toque, era como se fôssemos as duas únicas pessoas que restavam no mundo.
Ariela: Acho que é melhor eu começar a limpar a cozinha — disse após algum tempo, finalmente quebrando o encanto.
NeymarJr: Eu quero que você saiba que esta noite foi maravilhosa para mim – começou ele.
Ariela: Junior... eu... – ele balançou a cabeça.
NeymarJr: Você não precisa dizer nada que... – não o deixei concluir a frase.
Ariela: Mas eu quero dizer algo, está bem? – eu estava ao lado da mesa, com os olhos provavelmente brilhando por conta de uma emoção desconhecida – Eu também tive uma noite maravilhosa. E sei para onde isso vai nos levar e não quero que você fique magoado – disse exalando o ar e me preparando para as palavras que teria que dizer a seguir – Não posso fazer promessas. Não posso lhe dizer onde estarei amanhã, ou mesmo daqui a um ano. Quando fugi pela primeira vez, pensei que conseguiria deixar tudo para trás e começar minha vida do zero, entende? Eu viveria minha vida e simplesmente fingiria que nada havia me acontecido. Mas como posso fazer isso? Você acha que me conhece, mas não tenho certeza nem mesmo se eu me conheço. E por mais que você saiba algumas coisas sobre mim, há muitas outras que você não sabe.
NeymarJr: Quer dizer que você não quer mais me ver?
Ariela: Não — disse balançando a cabeça com firmeza — Estou dizendo tudo isso porque eu quero vê-lo outras vezes, sim. E isso me assusta, porque, no fundo do meu coração, sei que você merece alguém melhor e pode encontrar isso facilmente. Você merece alguém em quem possa confiar. Alguém com quem seu filho possa contar. Como eu disse, há certas coisas sobre mim que você não sabe.
NeymarJr: Essas coisas não me interessam – insistiu.
Ariela: Como você pode dizer uma coisa dessas? – No silêncio que se seguiu àquela pergunta. Vi pela janela, a lua havia aparecido no céu e agora iluminava.
NeymarJr: Porque eu conheço a mim mesmo — ele levantou da cadeira.
Ariela: Junior... isso não pode...
NeymarJr: Ariela – sussurrou ele e, por um momento, não nos movemos. Ele finalmente pousou sua mão no meu quadril e me levou para perto de si. Eu soltei o ar, como se estivesse me livrando de um fardo que trazia há muito tempo sobre os ombros. E, quando eu consegui olhar nos olhos dele, foi como se repentinamente se tornasse fácil para mim imaginar que meus medos fossem insignificantes. Que Junior me amaria independentemente do que eu dissesse. Que ele era o tipo de homem que já estava apaixonado e que estaria para sempre.
E foi naquele momento que eu percebi que também estava apaixonada. Assim, eu me permiti tocá-lo e apoiar meu rosto no peito dele. Eu senti os dois corpos se tocarem e senti quando Junior acariciou meu cabelo com uma das mãos. O toque era suave e gentil, diferente de tudo o que eu havia sentido anteriormente, e eu observei, encantada, enquanto ele fechava os olhos. Inclinou a cabeça e nossos rostos se aproximaram.
Quando nossos lábios finalmente se encontraram, eu senti o gosto do vinho na língua dele. Me entreguei a Junior, permitindo que ele beijasse minha face e meu pescoço, arqueando as costas para trás e me deliciando com a sensação. Eu sentia a umidade dos lábios dele conforme eles me tocavam a pele, e coloquei os braços ao redor do pescoço dele. “Essa era a verdadeira sensação de estar apaixonada por alguém”, pensei, e de ter esse mesmo amor retribuído. Comecei a sentir as lágrimas se formando em meus olhos. Eu pisquei tentando não derramá-las, mas era impossível fazer aquilo. Eu estava apaixonada e o queria. Mais do que isso, queria que Junior amasse a verdadeira Ariela, com todos os seus defeitos e segredos. Eu queria que ele soubesse toda a verdade. Nos beijamos por muito tempo na cozinha, envolvidos em abraços apertados. As mãos de Junior deslizavam pelas minhas costas e os meus cabelos. Eu me arrepiei ao sentir a barba por fazer no rosto de Junior. Quando ele deslizou seus dedos pela pele do meu braço, eu senti uma torrente de calor líquido queimar meu corpo por dentro.
Ariela: Eu quero muito estar com você, mas não posso – sussurrei finalmente, esperando que aquilo não o enervasse.
NeymarJr: Está tudo bem — sussurrou – Eu duvido que esta noite possa ficar mais maravilhosa do que foi até aqui.
Ariela: Mas você está decepcionado. – ele afastou uma mecha do cabelo que caía sobre o meu rosto.
NeymarJr: Não acho que seja possível você me causar qualquer tipo de decepção. – eu engoli em seco, tentando afastar meus temores.
Ariela: Tem algo que você precisa saber sobre mim — sussurrei.
NeymarJr: Seja lá o que for, tenho certeza de que posso entender.
Ariela: Não posso passar a noite com você. É o mesmo motivo pelo qual nunca poderemos nos casar — disse em voz baixa – Eu ainda sou casada.
NeymarJr: Eu sei — sussurrou ele.
Ariela: E você não se importa?
NeymarJr: Não é uma situação perfeita. Mas confia em mim, também não sou uma pessoa perfeita. Assim, talvez seja melhor deixarmos as coisas acontecerem, um dia após o outro. E quando você estiver pronta, quando realmente se sentir à vontade, estarei esperando. – ele tocou o meu rosto com um dedo – Eu estou apaixonado por você, Ariela. Talvez você não esteja preparada para dizer essas palavras agora. Talvez nunca esteja. Mas isso não muda o que sinto por você.
Ariela: Junior...
NeymarJr: Você não precisa dizer nada.
Ariela: Posso explicar? — finalmente me afastei. Ele não fez questão de esconder sua curiosidade – Eu quero lhe contar mais. Quero lhe contar minha história.


Flashback On
Uma brisa gelada, típica do início de janeiro, fez com que os flocos de neve congelassem, e eu tive que baixar a cabeça enquanto caminhava em direção ao salão de cabeleireiros. Meus longos cabelos esvoaçavam com o vento, fazendo com que eu sentisse as agulhadas do gelo conforme os flocos se chocavam contra meu rosto.
Eu estava usando sapatos de salto alto, não botas, e meus pés já estavam congelando. Atrás de mim, Lorenzo estava no carro, sentado ao volante, observando-me. Embora eu não tivesse me virado para olhá-lo, eu ouvia o barulho do motor e sabia que os lábios dele formavam uma fina linha horizontal, com os músculos tensionados.
A multidão que enchia aquela região da cidade durante o Natal já não ocupava mais as ruas. De um dos lados do salão havia a loja especializada em produtos eletrônicos a La Dispositivos Electrónicos, e do outro, um pet shop. As duas lojas estavam vazias. Quando eu ia entrar no salão, o vento fez com que a porta se abrisse violentamente, e eu tive que me esforçar para fechá-la. O ar gelado me seguiu para dentro do recinto e os ombros de minha jaqueta estavam cobertos por uma fina camada de neve. Tirei minhas luvas e a jaqueta, virando-me ao fazer aquilo. Eu acenei para Lorenzo em despedida e sorri. Ele gostava quando eu lhe lançava um sorriso. Eu tinha um horário marcado às 2 horas com uma mulher chamada Raquel. A maioria das cadeiras já estavam ocupada e eu não sabia para onde devia ir. Era a primeira vez que eu vinha até este salão e sentia um certo desconforto com aquilo. Nenhuma das cabeleireiras parecia ter mais de 30 anos e a maioria delas tinha penteados arrojados, com mechas ou tinturas azuis e vermelhas. Logo depois, eu fui abordada por uma garota com cerca de 25 anos, bronzeada e com alguns piercings, além de uma tatuagem no pescoço.
Xxx: Você está agendada para as 2 horas? Corte e hidratação? – fiz que sim com a cabeça – Meu nome é Raquel. Venha comigo. – Raquel deu uma olhada por cima do ombro – Está bem frio lá fora, não é? Eu quase morri no caminho entre meu carro e a entrada do salão. Eles nos obrigam a deixar o carro na parte mais distante do estacionamento. Detesto isso, mas não há nada que eu possa fazer.
Ariela: Está bem frio — concordei. Raquel me levou para uma cadeira perto do canto do salão. Era uma cadeira forrada com vinil roxo e o piso do salão era de azulejos pretos. “Um lugar para pessoas mais jovens”, pensei. Mulheres solteiras que queriam se destacar. Não para mulheres casadas com cabelos ruivos. Eu estava inquieta, sentindo​-me agitada à medida que Raquel cobria minhas roupas com uma bata. Eu agitava os dedos dos pés, tentando aquecê​-los.
Raquel: Você é nova na cidade?
Ariela: Eu moro em San Carlos de Bariloche.
Raquel: Fica um pouco longe. Alguém lhe indicou o salão? – eu havia passado em frente ao salão há duas semanas, quando Lorenzo me levara às compras, mas não cheguei a dizer aquilo. Em vez disso, eu simplesmente neguei com um aceno de cabeça – Bem, acho que foi sorte eu ter atendido ao telefone, então – disse com um sorriso – Que tipo de corte você quer? – eu detestava olhar para mim mesma no espelho, mas não tinha escolha. Eu tinha que conseguir fazer aquilo e da maneira certa. Era minha única chance. Havia uma fotografia colada no espelho à sua frente, mostrando Raquel e um rapaz que eu presumi ser o namorado dela. Ele tinha mais piercings do que ela e também tinha o cabelo cortado em estilo moicano. Por baixo da bata, apertei as mãos.
Ariela: Eu não quero que fique curto – assentiu, olhando para o meu reflexo no espelho.
Raquel: Vai ser moleza, então. Vou fazer a hidratação primeiro. Me dê alguns minutos para preparar minhas coisas. Eu volto já. – assenti. Ao meu lado, vi uma mulher recostada em um lavatório e outra cabeleireira ao seu lado. Eu ouvi a água correr e o murmúrio geral das conversas que vinha das outras cadeiras do salão. Uma música suave vinha pelos alto​-falantes. Raquel voltou com cremes, tesouras e pentes. Perto da cadeira ela organizou tudo – Há quanto tempo você mora em Bariloche?
Ariela: Três anos.
Raquel: E onde você morava antes?
Ariela:  Eu morava em Buenos Aires antes de me mudar para lá.
Raquel: Aquele homem que te trouxe até aqui é seu marido?
Ariela: Sim.
Raquel: Ele tem um belo carro. Vi quando você acenou para ele. Qual é o modelo? Um Mustang? – assenti mais uma vez, mas não respondi. Raquel trabalhou por algum tempo em silêncio.
Raquel: Há quanto tempo vocês são casados? — perguntou, conforme massageava meus cabelos.
Ariela: Três anos.
Raquel: Foi por isso que você se mudou para Bariloche, não é?
Ariela: Sim. – Raquel continuou com sua conversa.
Raquel: E o que você faz? Com o que trabalha? – olhei para frente, tentando não enxergar a mim mesma no espelho. Desejando ser outra pessoa. Eu poderia ficar ali por uma hora e meia antes que Lorenzo voltasse para buscar-me e rezava para que ele não chegasse mais cedo.
Ariela: Eu não trabalho.
Raquel: Acho que ficaria louca se não tivesse um emprego. Não que seja fácil manter um, é claro. E o que você fazia antes de se casar?
Ariela: Eu era garçonete e trabalhava servindo coquetéis.
Raquel: Em um bar? – fiz que sim com a cabeça – Foi lá que você conheceu seu marido?
Ariela: Sim.
Raquel: E o que ele está fazendo agora? Enquanto você está aqui embelezando o cabelo? “Provavelmente está em algum bar”, pensei.
Ariela: Não sei.
Raquel: E por que você não veio até aqui dirigindo? Como eu disse, San Carlos de Bariloche fica um pouco longe daqui.
Ariela: Eu não tenho habilitação. Meu marido me leva sempre que eu preciso ir a algum lugar.
Raquel: Eu não sei o que faria sem meu carro. Não é nada de especial, mas vou aonde preciso com ele. Detestaria ter que depender de outra pessoa para ir de um lugar a outro. – eu podia sentir o perfume do creme no ar.
Ariela: Nunca aprendi a dirigir. – Raquel deu de ombros.
Raquel: Não é difícil. Treine um pouco, faça o teste e você logo estará guiando pelas ruas.– Eu olhei para Raquel no espelho. Ela parecia saber o que estava fazendo, mas ainda era jovem e estava começando sua vida, e enquanto a olhava, eu desejava que ela fosse mais velha e mais experiente. E aquilo me pareceu estranho, porque eu provavelmente era somente alguns dois anos mais velha do que Raquel. Mas eu sentia-me velha – Você tem filhos?
Ariela: Não. – Talvez a garota tivesse percebido que dissera algo errado, pois trabalhou em silêncio durante os minutos seguintes.
Raquel: Já volto para ver como você está em alguns minutos, certo? – ela se afastou, indo em direção a outra cabeleireira. Elas começaram a conversar, mas o murmúrio generalizado no salão fazia com que fosse impossível compreender o que elas estavam dizendo. Eu olhei para o relógio na parede. Lorenzo voltaria em menos de uma hora.O tempo estava passando rápido. Rápido demais. Ao voltar, Raquel verificou meu cabelo. – Mais um pouco – comentou ela e voltou a conversar com sua colega, gesticulando com as mãos. Animada. Jovem e despreocupada. Feliz.
Mais alguns minutos se passaram. Uma dúzia deles. Eu tentei não olhar fixamente para o relógio. Finalmente, a hora chegou e Raquel me levou até o lavatório. Eu me sentei e me recostei contra a pia, sentindo a toalha ao redor da pele do pescoço. Raquel ligou a torneira e eu senti um jato de água fria bater em meu rosto. A jovem cabeleireira massageou meu cabelo com o xampu e o enxaguou; posteriormente, aplicou o condicionador e voltou a enxaguar.
Raquel: Vamos dar um belo corte agora. – Voltando para a cadeira, pensei que meu cabelo estava bom, mas era difícil saber com certeza porque estava molhado. Tinha que estar exatamente como eu queria, ou Lorenzo perceberia. Raquel penteou meu cabelo, desembaraçando os fios. Ainda faltavam quarenta minutos.– Quanto você quer que eu corte?
Ariela: Cuidado para não cortar demais. Só tire as pontas. Meu marido gosta dele longo.
Raquel: Você vai querer algum penteado diferente? Tenho uma revista de penteados se você quiser tentar algo novo.
Ariela: Eu gostaria do mesmo penteado que eu estava usando quando cheguei.
Raquel: Sem problemas. – observei enquanto Raquel penteava meu cabelo, fazendo minhas mechas lhe correrem por entre os dedos para depois os cortar com a tesoura. Primeiro atrás, depois nas laterais. E, finalmente, na parte de cima da cabeça. Raquel pegou um chiclete em algum lugar e começou a mascá-lo, com seu queixo se movendo para cima e para baixo enquanto trabalhava.– Está bom assim?
Ariela: Sim, acho que já é o bastante. – Raquel pegou o secador de cabelos e uma escova cilíndrica. Ela deslizou a escova pelos meus cabelos. Eu ouvia o ruído do secador alto em meus ouvidos.
Raquel: De quanto em quanto tempo você trata o cabelo? — tentou puxar assunto.
Ariela: Uma vez por mês. Mas às vezes eu só peço um corte.
Raquel: Seu cabelo é muito bonito.
Ariela: Obrigada — Raquel continuou a trabalhar. Pedi que ela lhe fizesse alguns cachos e ela pegou a escova modeladora. Levou alguns minutos até que o aparelho esquentasse. Ainda havia cerca de vinte minutos.
Raquel cacheou e escovou meus cabelos até que estivesse satisfeita e me estudou no espelho.
Raquel: Está bom assim? – examinei a cor e o penteado.
Ariela: Está perfeito.
Raquel: Dê uma olhada na parte de trás – Ela girou minha cadeira e me entregou um espelho. Olhei para o reflexo duplo e acenei afirmativamente com a cabeça – Acho que está feito, então.
Ariela: Quanto lhe devo? – ela disse o valor e eu tirei o dinheiro de minha bolsa, incluindo a gorjeta. — Pode me dar um recibo?
Raquel: É claro. Venha comigo até o caixa. – A garota preparou o recibo e o entregou a mim. Lorenzo iria verificá-lo e pediria o troco quando eu voltasse para o carro, e eu pedi a Raquel que incluísse a gorjeta no recibo.
Eu olhei para o relógio. Doze minutos. Lorenzo ainda não havia retornado e o meu coração estava batendo rapidamente enquanto vestia minha jaqueta e calçava as luvas.
Eu saí do salão enquanto Raquel ainda conversava comigo. Na loja ao lado, a La Dispositivos Electrónicos, eu pedi que o balconista me mostrasse um telefone celular descartável e um cartão que me desse vinte horas de serviço. Eu senti uma forte vertigem ao dizer aquelas palavras, sabendo que, depois daquilo, não seria possível voltar atrás. O balconista me mostrou um que estava debaixo do balcão e começou a me dar os detalhes do aparelho à medida que explicava seu
funcionamento. Eu tinha mais dinheiro em minha bolsa, escondido em um pacote de absorventes, pois sabia que Lorenzo nunca iria procurar nada ali. Peguei o dinheiro e coloquei as notas amarrotadas sobre o balcão. O relógio continuava a contar os segundos e novamente olhei para o estacionamento. Eu estava começando a sentir um pouco de tontura e minha boca estava seca. O rapaz da loja demorou uma eternidade para conseguir ligar para o meu celular novo. Embora fosse pagar o aparelho em dinheiro vivo, o balconista pediu que eu lhe desse meu nome, endereço e código postal. Não havia qualquer motivo para aquilo. Era ridículo. Eu queria pagar e sair logo dali. Contei até dez e o rapaz ainda estava digitando meus dados. Na rua, o semáforo acendeu a luz vermelha. Havia carros esperando. Imaginei que Lorenzo poderia estar ali, pronto para passar em frente à loja. Eu não sabia se ele conseguiria me ver saindo da loja de produtos eletrônicos. Sentia dificuldade até para respirar.
Eu tentei abrir a embalagem plástica, mas foi impossível. Grande demais para caber na bolsa que trazia, grande demais para caber no bolso da jaqueta. Pedi ao balconista que me emprestasse uma tesoura e ele gastou um minuto precioso procurando por uma. Eu queria gritar, mandar que ele se apressasse, porque Lorenzo chegaria a qualquer momento. Em vez disso, eu me virei para olhar pela janela.
Quando consegui tirar o celular da embalagem, o enfiei no bolso da jaqueta, com o cartão pré-pago. O rapaz perguntou se eu queria uma sacola, mas eu já havia saído pela porta sem responder. O telefone parecia pesar como um bloco de chumbo dentro do bolso de minha jaqueta, e a neve e o gelo na calçada faziam com que fosse difícil manter o equilíbrio. Abri a porta do salão de beleza e entrei. Eu tirei jaqueta e as luvas e esperei ao lado do caixa. Trinta segundos depois, vi o carro de Lorenzo se aproximar pela rua, até chegar perto do salão. Removi rapidamente a neve que havia se acumulado em minha jaqueta, enquanto Raquel vinha em minha direção. Eu senti uma onda de pânico ao imaginar que Lorenzo poderia ter percebido. Concentrei-me, tentando manter o controle, agir naturalmente.
Raquel: Você esqueceu alguma coisa? – eu soltei a respiração.
Ariela: Eu ia esperar do lado de fora, mas está muito frio. E percebi também que não peguei seu cartão. – o rosto de Raquel pareceu se iluminar.
Raquel: Oh, é claro. Espere um pouco. – foi até sua cadeira e tirou um cartão de uma das gavetas do balcão. Eu sabia que Lorenzo me observava do carro, mas fingi não notá
​-lo. Raquel voltou e entregou seu cartão para mim. – Geralmente não trabalho aos domingos e às segundas​-feiras – assenti.
Ariela: Ligo quando precisar dos seus serviços.– por trás de mim, ouvi a porta do salão se abrir e Lorenzo estava esperando por mim sob o batente. Ele geralmente não entrava nestes lugares e eu senti meu coração acelerar. Eu voltei a vestir a jaqueta, tentando controlar o tremor nas mãos. Até que, finalmente, me virei e sorri.
***
A neve caía mais forte quando Lorenzo estacionou o carro em frente à nossa casa. Havia sacolas de compras no banco de trás e Lorenzo pegou três delas antes de caminhar até a porta. Ele não havia dito nada no percurso do salão até o supermercado e falou pouco comigo durante as compras. Em vez disso, ele andou ao meu lado conforme eu examinava as prateleiras em busca de promoções e tentava esquecer o telefone que trazia no bolso.
Não tínhamos muito dinheiro e Lorenzo ficaria irritado se eu gastasse demais. As prestações da hipoteca da casa custavam quase metade do seu salário e as despesas do cartão de crédito lhe tiravam mais uma boa porção. Na maioria das vezes precisávamos comer em casa, mas Lorenzo gostava de refeições como as que eram servidas em restaurantes, com um prato principal e duas guarnições, ocasionalmente acompanhados por uma salada. Ele se recusava a comer sobras de refeições anteriores e era difícil adequar a renda às suas exigências. Eu tinha que planejar os cardápios diários com cuidado, além de recortar cupons promocionais que apareciam no jornal. Quando Lorenzo pagou pelas compras, eu lhe entreguei o troco do salão de cabeleireiros e também o recibo. Ele contou o dinheiro para se certificar de que tudo estava em ordem.
Em casa, eu esfreguei os braços para me manter aquecida. A casa era velha e o ar frio entrava pelas frestas das janelas e pelo vão embaixo da porta da frente. O piso do banheiro era tão frio que fazia meus pés doerem, mas Lorenzo reclamava do custo do óleo usado para aquecer a casa e nunca deixava que eu ajustasse o termostato para uma temperatura mais agradável. Quando ele estava trabalhando, eu usava uma blusa de moletom e chinelos; entretanto, quando Lorenzo estava em casa, ele queria que eu me vestisse de forma sensual.
Lorenzo deixou as sacolas de compras sobre a mesa da cozinha. Eu deixei minhas sacolas ao lado das que ele havia colocado ali e Lorenzo foi até a geladeira. Abrindo o congelador, ele tirou uma garrafa de vodka e alguns cubos de gelo. Colocou o gelo em um copo e despejou a vodka. Ele só parou de derramar a bebida quando seu copo estava quase cheio.
Deixando​-me sozinha, ele foi até a sala de estar e eu ouvi os sons da televisão, ligada no canal ESPN6. O comentarista esportivo estava falando sobre o time dos All Boys, as finais do campeonato de futebol e as chances que a equipe tinha de conquistar mais um título da La Liga. No ano passado, Lorenzo fora até o estádio assistir a um jogo dos Lanús. Ele era fã do time desde criança.
Eu tirei minha jaqueta e enfiei a mão no bolso. Eu imaginava que teria alguns minutos e esperava que fossem suficientes. Depois de espiar a sala para ver o que Lorenzo estava fazendo, eu me apressei a voltar para a cozinha. No armário debaixo da pia havia uma caixa de esponjas para lavar louça. Eu escondi o telefone no fundo da caixa e o cobri com as esponjas. Fechei cuidadosamente a porta do armário antes de pegar minha jaqueta, esperando que meu rosto não estivesse pálido, rezando para que ele não tivesse me visto. Respirando fundo para me fortalecer, coloquei o casaco sobre o braço e atravessei a sala de estar para colocá-lo no armário que havia ali. A sala pareceu se esticar conforme eu andava, como um quarto visto pelos reflexos de uma casa de espelhos em um parque de diversões, mas eu tentei ignorar aquela sensação. Eu sabia que Lorenzo era capaz de olhar através de mim, de ler minha mente e perceber o que eu havia feito, mas ele não desviou sua atenção da televisão. Eu só senti a respiração voltar ao normal quando retornei à cozinha.
Eu comecei a guardar as compras, ainda sentindo-me um pouco zonza, mas sabendo que tinha que agir normalmente. Lorenzo gostava que sua casa estivesse limpa e arrumada, especialmente a cozinha e os banheiros. Guardei o queijo e os ovos em seus respectivos compartimentos na geladeira. Tirei os legumes velhos da gaveta e a limpei com um pano antes de colocar os novos. Depois, peguei algumas vargens e uma dúzia de batatas de casca vermelha de uma cesta no chão da dispensa. Deixei um pepino no balcão, com um pé de alface americana e um tomate para fazer uma salada. Para o prato principal do jantar daquela noite, prepararia filés marinados.
Eu havia deixado os filés marinando no molho no dia anterior: vinho tinto, suco de laranja, suco de grapefruit, sal e pimenta. A acidez dos sucos servia para amaciar a carne e lhe dava mais sabor. Estava em uma caçarola na parte debaixo da geladeira.
Eu guardei o restante das compras, trazendo os produtos mais antigos para a frente e dobrei as sacolas plásticas, colocando-as sob a pia. Retirei uma faca de uma gaveta. A tábua de cortar carnes estava debaixo da torradeira e eu a coloquei ao lado do fogão. Cortei as batatas ao meio, apenas o bastante para o jantar de nós dois. A seguir, untei uma assadeira com óleo, liguei o forno e temperei as batatas com salsa, sal, pimenta e alho. Aqueles ingredientes iriam ao forno antes dos filés e eu teria que requentá-los mais tarde. A carne tinha que ser grelhada. Lorenzo gostava que os ingredientes da sua salada fossem cortados em pedaços bem pequenos, com pedaços de queijo gorgonzola, croutons e molho italiano. Eu cortei o tomate ao meio e um quarto do pepino antes de envolver o resto em filme plástico e guardá-los novamente na geladeira. Ao abrir a porta, eu percebi que Lorenzo estava na cozinha por trás de mim, apoiado contra o batente da porta que levava à sala de jantar. Ele tomou um longo gole, terminando sua vodka e continuando a observar-me, quase onipresente. Ele não sabia que eu havia saído do salão, eu fiz questão de me lembrar. Não sabia que eu havia comprado um telefone celular. Ele teria dito alguma coisa. Teria feito alguma coisa.
Lorenzo: Vamos ter filé para o jantar? – fechei a porta da geladeira e continuei a me mover pela cozinha, tentando parecer ocupada e tentando ficar à frente de meus medos.
Ariela: Sim. Acabei de ligar o forno, então ainda vai demorar alguns minutos. Preciso colocar as batatas para assar antes.– ele me olhava fixamente.
Lorenzo: Seu cabelo está bonito.
Ariela: Obrigada. A cabeleireira trabalhou bem. – voltei para a tábua de corte. Comecei a cortar o tomate, tirando uma longa fatia.
Lorenzo: Nada de pedaços grandes – meneou a cabeça na minha direção.
Ariela: Eu sei – eu sorri quando ele foi até o congelador novamente. Ouvi o tinir dos cubos de gelo em seu copo.
Lorenzo: Sobre o que você conversou enquanto estava no salão de beleza?
Ariela: Nada de mais. As coisas de sempre. Você sabe como as cabeleireiras são. Elas sempre tentam puxar assunto. – Ele balançou o copo. Eu podia ouvir os cubos de gelo batendo contra o vidro.
Lorenzo: Você falou a meu respeito?
Ariela: Não – eu sabia que ele não gostaria daquilo e ele fez que sim com a cabeça. Ele tirou a garrafa de vodka do congelador outra vez e a deixou ao lado do seu copo, sobre a mesa antes de vir atrás de mim. Em pé, ele observou por cima do meu ombro enquanto eu picava os tomates. Pedaços pequenos, nada que fosse maior do que uma ervilha. Eu sentia a respiração de Lorenzo em minha nuca e tentei não gemer quando ele colocou as mãos nos meus quadris. Sabendo o que deveria fazer, eu pousei a faca sobre o balcão e me virei na direção dele, colocando meus braços ao redor do pescoço dele. Eu o beijei, colocando minha língua na boca dele, sabendo que era isso o que ele queria, e não percebi o tapa até que senti o ardor no meu rosto. Queimava. Quente e vermelho. Estalado. Como ferroadas de abelha.
Lorenzo: Você me fez desperdiçar a tarde inteira! – gritou ele, agarrando-me os braços com força, apertando-os. Sua boca estava contorcida e os olhos estavam vermelhos, injetados. Eu sentia o cheiro da bebida em seu hálito e algumas gotas de saliva me atingiram o rosto. – Era meu único dia de folga e você escolheu logo hoje para ir cortar o cabelo bem no meio da cidade! E depois quis ir ao supermercado! – Eu tentei me desvencilhar, tentei me afastar dele, até que ele finalmente me largou. Ele balançou a cabeça. O músculo do seu queixo pulsava. – Você, por acaso, chegou a pensar que a única coisa que eu queria fazer hoje seria relaxar um pouco? Aproveitar para descansar no meu único dia de folga?
Ariela: Me desculpe – disse com a mão no rosto. Eu não disse que havia lhe perguntado duas vezes antes, naquela mesma semana, se haveria algum problema com aqueles planos. Ou que fora ele próprio que me obrigara a ir para outro salão de beleza porque não queria que eu fizesse amizade com alguém. Não queria que ninguém soubesse da vida que tínhamos.
Lorenzo: Me desculpe — disse ele no mesmo tom da minha voz. Ele olhou para mim antes de balançar a cabeça novamente. – Por Deus, Todo-Poderoso. Será que é tão difícil pensar em alguma outra pessoa que não seja em você mesma? – ele estendeu o braço, tentando agarrar-me, e eu me virei, tentando correr. Ele estava preparado para aquela reação e não havia para onde ir. O golpe foi rápido e com força, o punho se movendo como um pistão, atacando a região lombar das minhas costas. Eu arfei, sentindo minha visão escurecer, sentindo-me como se tivesse sido esfaqueada. Desabando no chão, sentia meus rins arderem, a dor se irradiando pelas pernas e pela coluna. O mundo estava girando e quando eu tentei me levantar, meu movimento piorou a sensação.– Você é egoísta demais, o tempo todo! – disse ele curvando-se por cima de mim. Eu não disse nada. Não conseguia dizer nada. Não conseguia nem respirar. Eu mordi meu lábio para não gritar e imaginei se iria urinar sangue no dia seguinte. A dor era como uma lâmina, dilacerando meus nervos, mas eu não iria chorar. Aquilo só serviria para deixar Lorenzo ainda mais furioso. Ele continuou em pé ao meu lado e depois suspirou, com uma expressão de puro desprezo. Foi até a mesa, pegou seu copo vazio e a garrafa de vodka antes de sair da cozinha.
Levei quase um minuto para reunir a força necessária para me levantar. Quando comecei a cortar os legumes novamente, minhas mãos estavam tremendo. A cozinha estava gelada e a dor em minhas costas era muito intensa, latejando com cada batida do meu coração.
Na semana anterior, ele havia me golpeado com tanta força no estômago que eu tinha passado o resto da noite vomitando. Eu caíra no chão e Lorenzo me agarrou pelo pulso para fazer com que me levantasse novamente. Os hematomas em meu pulso tinham o formato dos dedos dele. Vestígios do inferno.
Lágrimas me escorriam pelo rosto e eu tinha dificuldade para me manter em pé, apoiando meu peso ora em uma perna, ora em outra, para tentar afastar a dor enquanto terminava de picar o tomate. Eu fiz o mesmo com o pepino. Pedaços pequenos. O alface, também, cortado e picado. Do jeito que ele queria. Enxuguei as lágrimas com as costas da mão e fui lentamente até a geladeira. De lá, tirei uma embalagem de queijo gorgonzola e depois peguei os croutons em outro armário. Na sala de estar, ele havia aumentado o volume da televisão outra vez.
O forno estava na temperatura certa. Coloquei a assadeira dentro do forno e ajustei o cronômetro. Quando o calor me atingiu o rosto, eu percebi que minha pele ainda ardia, mas duvidava que o tapa houvesse deixado qualquer marca. Ele sabia exatamente a força que precisava usar. Eu me perguntava onde ele havia aprendido aquilo, se era algo que todos os homens sabiam, ou mesmo se havia aulas secretas, com instrutores especializados em ensinar essas coisas. Ou, ainda, se aquilo era apenas uma característica de Lorenzo.
A dor em minhas costas havia finalmente começado a diminuir de intensidade. Eu já conseguia respirar normalmente. O vento soprava pelas frestas da janela e o céu havia assumido uma cor cinzenta e escura. A neve batia suavemente no vidro. Olhei discretamente em direção à sala, vi Lorenzo sentado no sofá e me apoiei no balcão.
Tirei um dos sapatos de salto e esfreguei os dedos dos pés, tentando fazer o sangue fluir, tentando aquecê-los. Fiz o mesmo com o outro pé antes de voltar a calçar os sapatos.
Eu lavei e cortei as vargens e coloquei um pouco de azeite de oliva na frigideira. Começaria a refogar as vargens quando os filés estivessem na grelha. E tentei não pensar no telefone que estava sob a pia.
Estava tirando a assadeira do forno quando Lorenzo voltou para a cozinha. Ele estava com o copo na mão e já havia bebido metade do conteúdo. Seus olhos estavam desfocados. Havia bebido quatro ou cinco doses. Eu não sabia ao certo. Coloquei a assadeira sobre o fogão.
Ariela: Só mais um pouco — falei num tom neutro, fingindo que nada havia acontecido. Eu havia aprendido que, se demonstrasse irritação ou mágoa, aquilo serviria apenas para enfurecê-lo. – Tenho que terminar de preparar os filés e o jantar logo vai ficar pronto.
Lorenzo: Olhe, me desculpe – ele cambaleava um pouco. Eu sorri.
Ariela: Está tudo bem. Sei que as últimas semanas foram difíceis. Você tem trabalhado demais.
Lorenzo: Seu jeans é novo? — as palavras saíram arrastadas pela boca dele.
Ariela: Não. Faz algum tempo que não uso esta calça.
Lorenzo: É bonita.
Ariela: Obrigada – ele deu um passo em minha direção.
Lorenzo: Você é linda. Você sabe que eu a amo, não sabe?
Ariela: Sei, sim.
Lorenzo: Eu não gosto de bater em você. Mas, às vezes, você não pensa nas coisas que faz. – Eu assenti, desviando o olhar, tentando pensar em algo para fazer, precisando me ocupar com algo, até me lembrar que precisava colocar os pratos e os talheres na mesa. Aproveitei e fui até o armário que ficava ao lado da pia. Lorenzo se aproximou por trás de mim enquanto eu buscava os pratos e fez com que eu me virasse em sua direção, puxando-me para perto de si. Eu inalei antes de dar um suspiro de felicidade, porque sabia que Lorenzo queria que eu respondesse aos seus carinhos com aqueles sons.
Lorenzo: Você tem que dizer que me ama também – sussurrou ele. Ele beijou-me o rosto e eu coloquei meus braços ao redor dele. Eu sentia-o pressionar contra meu corpo, sabia o que ele queria.
Ariela: Eu amo você – a mão de Lorenzo deslizou-se até meu seio. Eu esperei que ele o apertasse, mas aquilo não aconteceu. Em vez disso, ele me acariciou suavemente. Apesar de tudo o que havia acontecido, meu mamilo começou a ficar intumescido e eu detestava quando aquilo acontecia. Mas não conseguia evitar. O hálito de Lorenzo estava quente. E com cheiro de bebida.
Lorenzo: Meu Deus, você é linda. Você sempre foi linda, desde a primeira vez que eu a vi – disse ele, pressionando seu corpo contra o meu, e eu conseguia sentir sua excitação. – Vamos deixar os filés para depois. O jantar pode esperar um pouco.
Ariela: Achei que você estivesse com fome — tentei fazer com que aquilo parecesse uma leve provocação.
Lorenzo: Estou com fome de outra coisa agora — sussurrou. Ele desabotoou a blusa que eu usava e a abriu, antes de levar as mãos para o botão do jeans.
Ariela: Aqui não — afastei o rosto do dele, mas deixando que ele continuasse a beijar-me. — Vamos para o quarto.
Lorenzo: Que tal fazermos na mesa? Ou no balcão?
Ariela: Por favor, meu bem — murmurei, com a cabeça arqueada para trás enquanto ele me beijava no pescoço. — Não é nada romântico.
Lorenzo: Mas é gostoso.
Ariela: E se alguém nos vir pela janela?
Lorenzo: Você não sabe se divertir.
Ariela: Por favor, vamos — disse novamente. — Não quer fazer isso por mim? Você sabe que me excita muito mais fazer na cama. — Ele me beijou mais uma vez, com as mãos indo até meu sutiã. Ele abriu o botão que prendia a peça na parte da frente. Lorenzo não gostava de sutiãs com o fecho na parte de trás. Eu senti o ar frio da cozinha em meus seios; vi o desejo no rosto de Lorenzo enquanto ele os olhava. Ele lambeu os lábios antes de levar-me até o quarto.
Ele foi tomado por uma energia animalesca logo que chegamos lá, puxando o meu jeans até os meus quadris e depois até os tornozelos. Ele me apertou os seios com força e eu mordi o lábio para não gritar antes que estivéssemos na cama. Eu gemi e arfei, gritando o nome de Lorenzo, sabendo que era isso o que ele queria, porque não queria que ele ficasse irritado, não queria ser estapeada, socada ou chutada, porque não queria que Lorenzo descobrisse o telefone celular. Eu ainda sentia a dor lancinante em meus rins e transformei meus gritos em gemidos, dizendo as coisas que ele queria que eu dissesse, excitando-o até que seu corpo começasse a se mover em espasmos. Quando tudo terminou, eu me levantei da cama, vesti-me e o beijei antes de voltar à cozinha para terminar de preparar o jantar.
Lorenzo voltou para a sala de estar e bebeu mais vodka antes de vir até a mesa. Ele me falou sobre seu trabalho e depois foi até a sala para ver um pouco mais de televisão enquanto eu limpava a cozinha. Depois, ele quis que eu me sentasse ao seu lado para assistir à televisão, até que finalmente chegou a hora de ir dormir.
No quarto, depois de poucos minutos, ele já estava roncando, sem perceber as minhas lágrimas silenciosas, sem perceber o ódio que eu sentia por ele, ou o ódio que sentia de mim mesma. Sem saber sobre o dinheiro que eu vinha guardando há quase um ano, ou sobre a tintura de cabelo que eu havia colocado discretamente no carrinho de supermercado há um mês e que havia escondido atrás do armário, sem fazer a menor ideia sobre o telefone celular escondido no armário sob a pia da cozinha. Sem imaginar que, dentro de alguns dias, se tudo acontecesse como eu esperava, ele nunca mais voltaria a me ver ou me agredir.

Flashback Off

5 comentários:

  1. Meu Deus que cap foi esse ,cara tu arrasou se ja estava apaixonada nesse blog agora então

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  2. Continua assim quebra top amor. Vc arrassa

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  3. Lacrou a porra toda, que noite linda eles tiveram amei.
    Esse Lorenzo é um mostro, credo. Confio em vc cobtinuaaaa

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  4. Eu tô muito encantada com eles. Eles se combinam muito. Amando tudo e querendo cada vez mais

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  5. Estou amando tudo e cada dia mais viciada na história... Continua logo!! kkkk

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