domingo, 28 de janeiro de 2018

Cinco — Pasado.

Eles não fizeram perguntas. Em vez disso, mantiveram a conversa em assuntos superficiais, e voltei a me sentir feliz com a companhia, não só de Alina, mas de todos ali.
Fomos até a varanda. Percebi que estava cambaleando levemente e me segurei no corrimão. Degustamos o vinho enquanto as nuvens continuavam a se abrir e, de repente, o céu estava pontilhado de estrelas.
De volta à cozinha, nos servimos do que restava do vinho e tomei um gole. O líquido desceu quente pela minha garganta, o que fez eu me sentir um pouco zonza. Estava me sentindo feliz e segura... A noite estava agradável.
Saí dali de fininho enquanto eles conversavam animadamente. Fui até a sala e me sentei em um dos sofás. Eu tinha colegas e, uma amiga de verdade, alguém que ria e fazia piadas com as estrelas, eu não tinha certeza se queria rir ou chorar por causa disso. Fazia muito tempo que não vivia nada tão tranquilo e natural.
NeymarJr: Você está bem? – surgiu ali de repente, me surpreendendo.
Ariela: Estou ótima. Estava só pensando... Tô muito feliz por estar aqui. – ele me olhou com mais atenção.
NeymarJr: Acho que você exagerou um pouco no vinho.
Ariela: E eu acho que você tem razão – ele se sentou ali também.
NeymarJr: Então tá. Por que tu não se enturma?
Ariela: Não sei do que você está falando.
NeymarJr: Por que você não se enturma? Você está sempre aérea, . Não baixou a guarda em momento algum, sempre se esquivando das conversas. Não quer nos conhecer melhor? – balancei a cabeça.
Ariela: Não sei bem.
NeymarJr: Você não quer conhecer pessoas novas?
Ariela: Estou melhor sozinha.
NeymarJr: Seu sotaque é bonitinho – riu e senti meu rosto corar, sorrindo sem graça – Mas olha, pode confiar no que eu digo: ninguém realmente está melhor quando está sozinho.
Ariela: Eu estou – ele pareceu pensar um pouco.
NeymarJr: Quer dizer então que, se presumirmos que tu tenha comida, uma casa,  roupas e tudo o mais que precisa para simplesmente sobreviver, preferiria ficar isolada em uma ilha deserta no meio do nada, totalmente sozinha, para sempre, pelo resto da vida? Seja honesta. – pisquei, tentando focar os olhos nele, ele riu.
Ariela: Por que você acha que eu não responderia honestamente?
Alina: Porque todo mundo mente. – ela chegou ali, se sentando com a gente – É necessário para viver em sociedade. Não me entenda mal, eu creio realmente que é necessário. A última coisa que uma pessoa pode querer é viver em uma sociedade onde a honestidade irrestrita seja a regra. Consegue imaginar uma conversa desse tipo? “Você é gorda e baixa”, e a outra poderia responder: “Eu sei. E você cheira mal”. – fez uma voz fina – As coisas não iriam funcionar. As pessoas mentem por omissão, e isso acontece o tempo todo. As pessoas sempre contam a maior parte da história... E eu aprendi que a parte que elas deixam de contar é sempre a mais importante. As pessoas escondem a verdade porque têm medo. – Senti um dedo tocando meu coração com as palavras dela. De repente, até mesmo respirar ficou difícil.
Ariela: Está falando sobre mim? – perguntei com a voz estrangulada.
NeymarJr: Está falando sobre ela? – Senti minha pele empalidecendo, mas, antes que pudesse criar um outro argumento, Alina falou.
Alina: Na verdade, eu estava falando sobre o dia que tive hoje. Eu disse que foi um dia complicado, não foi? Bem, o que acabei de dizer é parte do problema. É frustrante quando as pessoas se recusam a contar a verdade. Afinal, como é que eu posso ajudá-las se elas insistem em esconder certas coisas? Se eu não consigo entender realmente o que se passa? — ela suspirou — Estão te chamando lá na cozinha, Juninho. E, pode parar de roubar minha amiga – riram. E ele saiu dali. Senti algo se contorcendo e se estrangulando dentro do meu peito –  Vamos pro quarto, Ari? – assenti, me levantando. Fomos para o quarto dela e nos deitamos na cama, ficando em silêncio.
Ariela: Talvez elas queiram falar a respeito, mas sabem que não há nada que você possa fazer para ajudá-las – falei num sussurro.
Alina: Que?
Ariela: Sobre o que você disse, na sala.
Alina: Ah... Sempre há algo que eu possa fazer. – o vinho fazia o quarto girar e as paredes se moviam. Senti as lágrimas
começando a se formar em meus olhos e tudo o que pude fazer foi piscar para contê-las. Minha boca estava seca.
Ariela: Nem sempre – sussurrei. Virei o rosto em direção ao teto. Engoli em seco, sentindo-me sufocada. Achei que aquela seria a boa hora pra contar sobre meu quase-passado assombroso – Eu tinha uma amiga. O casamento dela era horrível, e ela não conseguia falar com ninguém. Ele costumava bater nela, ela lhe disse que se aquilo voltasse a acontecer, ela o deixaria. Ele jurou que nunca mais faria aquilo e ela acreditou nele. Mas as coisas pioraram muito depois daquilo. Por exemplo, quando o jantar dele estava frio ou quando ela dizia ter conversado com um dos vizinhos que estava passeando com seu cachorro. Ela só tinha conversado com o rapaz, mas, naquela noite, seu marido a empurrou em cima de um espelho. – suspirei – Ele sempre se desculpava e às vezes chegava até mesmo a chorar por causa dos hematomas que tinha causado nos braços, nas pernas ou nas costas dela. Ele dizia que odiava ter feito aquilo, mas, no momento seguinte, dizia-lhe que ela havia merecido tudo o que acontecera. Que, se ela fosse mais cuidadosa, nada daquilo teria acontecido. Que, se ela prestasse atenção no que fazia, ou se não fosse tão imbecil, ele não teria perdido a paciência. Ela tentou mudar. Ela se esforçou para tentar ser uma esposa melhor e fazer as coisas do jeito que ele queria. Mas nada era o bastante, nunca. – Senti a pressão das lágrimas por trás dos olhos e, embora tentasse novamente contê-las, senti-as rolando pela face. Alina estava imóvel ao meu lado, na cama, observando-me – E como ela o amava! No começo, ele era muito carinhoso com ela. Fazia com que ela se sentisse segura. Na noite em que eles se conheceram ela estava trabalhando. Quando terminou seu turno, dois homens a seguiram. Quando ela virou a esquina, um deles a agarrou e lhe cobriu a boca com a mão. Por mais que ela tentasse se desvencilhar, os homens eram muito mais fortes e ela não sabia o que iria lhe acontecer, mas seu futuro marido estava vindo logo atrás e acertou um dos agressores na nuca e ele caiu no chão. E depois ele agarrou o outro e o jogou contra a parede. Tudo estava acabado. Ele a ajudou a se levantar e a levou pra casa. No dia seguinte, ele a levou para tomar café. Ele era gentil e a tratava como uma princesa, até que saíram em lua de mel. – sabia que não deveria contar nada daquilo pra Alina, mas não conseguia evitar – Minha amiga tentou escapar duas vezes. Uma vez ela acabou voltando para casa, porque não tinha nenhum outro lugar para onde pudesse ir. E na segunda vez que ela fugiu, realmente pensou que estivesse livre. Mas seu marido a procurou por toda parte e a arrastou de volta pra casa. Lá, ele a espancou e encostou um revólver na cabeça dela, dizendo que, se ela fugisse mais uma vez, a mataria. Ele mataria qualquer homem de que ela gostasse. E ela acreditou nele, porque, àquela altura, já sabia que se tratava de um louco. Mas ela estava presa. Ele nunca dava qualquer dinheiro a ela, nunca permitia que saísse de casa. Ele passava de carro em frente à casa onde moravam durante seu horário de trabalho apenas para se certificar de que ela estava lá. Ele monitorava os registros das ligações telefônicas e ligava para ela a todo momento. E não permitia que tirasse uma carteira de motorista. Certa vez, quando acordou no meio da noite, minha amiga percebeu que ele estava em pé ao lado da cama, olhando fixamente para ela. Ele estava bebendo e com o revólver na mão de novo. Ela estava amedrontada demais para dizer qualquer coisa além de lhe pedir que viesse para a cama. Mas foi naquele momento que ela percebeu que, se ficasse ali, seu marido certamente a mataria. – enxuguei os olhos, meus dedos estavam úmidos com as lágrimas. Eu mal conseguia respirar, mas as palavras continuavam a transbordar. – Minha amiga começou a roubar dinheiro da carteira dele. Nunca mais do que um real ou dois, porque, de outra forma, ele acabaria percebendo. Normalmente ele deixava sua carteira em uma gaveta trancada à chave durante a noite, mas em algumas ocasiões ele se esquecia de fazer aquilo. Demorou muito para ela conseguir juntar todo o dinheiro de que precisava para escapar. Porque era aquilo que precisava fazer. Fugir. Ela tinha que ir para algum lugar onde ele nunca a encontrasse, porque sabia que seu marido nunca desistiria de procurar por ela. E ela não podia contar nada a ninguém, porque não tinha mais família e a polícia não faria nada. Se ele suspeitasse de qualquer coisa, certamente a mataria. Assim, ela roubou e guardou o pouco dinheiro que podia e encontrou moedas entre as almofadas do sofá e na máquina de lavar roupas. Ela escondeu o dinheiro em um saco plástico que ficava embaixo de um vaso de flores, mas sempre que ele saía de casa, a esposa tinha certeza de que ele acabaria encontrando o dinheiro. Ela demorou muito tempo para juntar a quantia de que precisava, porque queria ir para algum lugar bem distante, um lugar onde ele nunca conseguiria encontrá-la. Para que pudesse recomeçar sua vida – eu não tinha percebido o momento em que aquilo havia acontecido, mas Alina estava segurando minha mão. Eu sentia o sal das lágrimas em meus lábios e imaginei que minha alma estava escorrendo para fora do corpo. Eu queria dormir, desesperadamente. No silêncio, Alina continuou a me observar.
Alina: Sua amiga tem muita coragem – ela disse em voz baixa.
Ariela: Não. Minha amiga passa o tempo todo com medo.
Alina: Ter coragem é exatamente isso. Se não fosse assim, ela não precisaria de coragem para suplantar o medo que sente. Eu admiro o que ela fez – disse, dando um leve aperto em minha mão – E acho que eu iria gostar muito dessa sua amiga. Fico feliz por você ter me contado sobre ela. – Fechei os olhos, sentindo-me completamente exausta e drenada.
Ariela: Acho que não devia ter contado tudo isso. – ela deu de ombros.
Alina: Não me preocuparia tanto. Uma coisa que você vai aprender a meu respeito é que sou muito boa quando preciso guardar segredos. Especialmente segredos de pessoas que não conheço, sabe? – ironizou e eu apenas assenti.
***
Fiquei com Alina por mais uma hora, mas ela que guiou a conversa para tópicos menos dolorosos. Falou sobre meu trabalho no restaurante e sobre alguns clientes que eu estava começando a conhecer. A tontura que eu sentia começou a desaparecer, deixando apenas o cansaço. Alina também começou a bocejar e finalmente nos levantamos. Ajudei-a junto com Cami a limpar e organizar a cozinha, enquanto conversávamos.
NeymarJr: A gente podia ir pro Guarú amanhã, né?
Gil: Verdade, seria uma boa. – todos concordaram.
NeymarJr: E você, Ari? O que acha?
Ariela: Acho que prefiro ficar por aqui.
Alina: Mas ela vai. Claro!
Gui: Aí sim – os meninos se animaram e eu ri fraco.
***
Todos haviam ido embora. Só restava Alina, Cami e eu, que já estava me despedindo. Alina me acompanhou até a porta do meu apartamento. Logo quando entrei, fechei a porta. Tomei um banho e fui para cama. Embora estivesse com muito sono, tudo que consegui foi ficar pensando. Era uma sensação de estar protegida, mas ao mesmo tempo eu sentia medo, muito medo. Eu só queria... Sei lá... Não ter medo. Queria conseguir deixar o passado pra trás... Ele não iria me encontrar. É isso, não iria. Pude sentir o gosto salgado das lágrimas que escorriam. Por um momento desejei acabar com tudo aquilo que eu chamava de vida. Mas logo repensei e bom... Tudo vai ficar bem. É claro que vai.

14 comentários:

  1. Gostei ♡ continua tá muito bom ♡

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  2. Arrasa!!!!! Tadinha da Ari, espero que tudo fique bem.
    Continua

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  3. A historia é incrível, continuaaa pq ta de mais, chorei com a Ari, mas acho que, talvez, ela achou pessoas que vão ta sempre do lado dela. E é isso que ela tem que descobri, e começa a confiar agora... Enfim, to amando continua!

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    1. Chorar não pode, a menos que seja de alegria, kkk.
      Sim, também acho que ela tenha, enfim, encontrado pessoas assim. E que ela realmente descubra isso! Haha
      Obrigada por acompanhar. Continuarei! ^^

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  4. Affffff, para, vc é maravilhosa
    Amando muito.
    Continua

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    1. Você que é maravilhosa! Kkk
      Que bom que está gostando ^^
      Continuarei!

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