segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Dez — Vuelo.

Eu estava sentada ao lado de Junior na varanda e o céu acima de nós dois era uma imensidão negra cravejada de pontos brilhantes. Durante meses eu vinha tentando bloquear as memórias mais específicas, tentando me concentrar apenas no medo que havia deixado para trás. Não queria me lembrar de Lorenzo, não queria pensar nele. Queria apagá-lo totalmente de minha vida, fingir que ele nunca existira. Mas ele sempre estaria lá.
Junior ficou em silêncio durante todo o relato, com sua cadeira formando um ângulo com a minha. Contei a história em meio às lágrimas, embora eu nem soubesse que estava chorando. Eu lhe contei tudo sem qualquer emoção, quase em um estado de transe, como se os eventos tivessem acontecido com outra pessoa.
À medida que falava, não conseguia olhar nos olhos de Junior. Ele havia ouvido versões da mesma história antes, mas desta vez era diferente. Eu não era simplesmente uma vítima, era sua amiga, a garota por quem ele havia se apaixonado. Junior afastou uma mecha do cabelo que caía por cima do meu rosto.
Quando me tocou, eu me movi em um reflexo involuntário antes de relaxar. Suspirei, cansada. Cansada de falar. Cansada do passado.
NeymarJr: Você fez a coisa certa ao sair de onde estava — o tom de sua voz era suave e compreensivo. Eu demorei um momento para responder. 

Ariela: Eu sei.
NeymarJr: Você não tem culpa de nada. — olhei em direção às luzes da cidade.
Ariela: Tenho, sim. Eu o escolhi, se lembra? Eu me casei com ele. Deixei isso acontecer uma vez e outra vez depois disso. Ainda cozinhava para ele e limpava a casa. Dormia com ele sempre que ele queria e fazia tudo o que ele queria. Fiz com que ele pensasse que eu adorava aquela vida.
NeymarJr: Você fez o que tinha que fazer para sobreviver — disse com a voz firme. Eu voltei a ficar em silêncio.
Ariela: Nunca pensei que uma coisa dessas pudesse acontecer. Meu pai era um alcoólatra, mas não era violento. Eu era tão... fraca. Não sei porque deixei isso acontecer.
NeymarJr: Porque houve um tempo em que você o amava. Porque você acreditou no seu marido quando ele prometeu que aquilo não voltaria a acontecer. Porque ele ficou cada vez mais violento e controlador, de uma maneira muito lenta, te fazendo pensar que mudaria, até que você finalmente percebeu que isso nunca aconteceria. – falou numa voz suave.
Com aquelas palavras, eu respirei fundo e baixei a cabeça, com meus ombros se movendo para cima e para baixo. Eu estava frágil e vulnerável. Havia chegado ao meu limite. Demorou alguns minutos até que eu finalmente conseguisse parar de chorar. Meus olhos estavam vermelhos e inchados.
Ariela: Desculpe-me por ter lhe contado tudo isso. Eu não deveria — disse com a voz ainda embargada.
NeymarJr: Fico feliz por ter contado.
Ariela: A única razão para eu ter feito isso é porque você já sabia.
NeymarJr: Eu entendo.
Ariela: Mas você não precisava saber dos detalhes sobre as coisas que tive que fazer.
NeymarJr: Não se preocupe com isso.
Ariela: Eu o odeio. Mas eu odeio a mim mesma também. Tentei lhe dizer que é melhor eu ficar sozinha. Não sou a pessoa que você pensa que sou. Não sou a mulher que você acha que conhece. — eu estava a ponto de começar a chorar de novo, até que ele finalmente se levantou. Puxando-me a mão, ele indicou que queria que eu me levantasse. Eu o fiz, mas não conseguia olhá-lo no rosto. Junior manteve a voz num tom suave.
NeymarJr: Ouça o que tenho a dizer — sussurrou. Ele colocou um dedo sob o meu queixo para levantá-lo. Eu resisti, a princípio, até que finalmente cedi e o olhei nos olhos. Ele prosseguiu. — Não há nada que você possa me dizer que vá mudar o que sinto por você. Nada. Porque você não é assim. Você nunca foi assim. Você é a mulher que eu conheço. É a mulher que eu amo. — eu o estudei, querendo acreditar nele, sabendo que, de algum modo, ele estava dizendo a verdade. E senti algo ceder dentro de mim. Mesmo assim...
Ariela: Mas...
NeymarJr: Nada de “mas”, porque nada disso é importante. Você se enxerga como alguém que não conseguiu fugir do que o destino te reservou. Eu vejo uma mulher corajosa que escapou. Você se enxerga como alguém que deveria se sentir envergonhada ou culpada por ter deixado que aquilo acontecesse. Eu vejo uma mulher bonita e gentil, que deveria sentir orgulho por ter impedido que aquilo voltasse a acontecer. Nem todas as mulheres têm a força para fazer o que você fez. É isso o que eu vejo agora e é isso que eu sempre vi quando olhava para você. — eu sorri.
Ariela: Acho que você precisa usar óculos.
NeymarJr: Eu não, — ele se inclinou em direção a mim e cautelosamente, certificando-se de que tudo estava bem antes de beijar-me. Foi um beijo curto e suave. Carinhoso. — Apenas me sinto triste por você ter enfrentado tudo isso.
Ariela: Eu ainda estou enfrentando.
NeymarJr: Você acha que ele está procurando por você?
Ariela: Eu sei que ele está procurando por mim. E ele nunca vai parar — disse antes de fazer uma pausa. — Tem algo errado com ele. Ele é... insano.
NeymarJr: Eu sei que não deveria fazer essa pergunta, mas você já pensou em avisar a polícia? – eu baixei os ombros.
Ariela: Sim. Eu liguei uma vez.
NeymarJr: E eles não fizeram nada a respeito?
Ariela: Eles vieram até minha casa e conversaram comigo. E me convenceram de que seria melhor não prestar queixa.
NeymarJr: Isso não faz sentido.
Ariela: Fazia bastante sentido para mim — dei de ombros — Lorenzo me avisou que não seria bom chamar a polícia.
NeymarJr:  Como ele sabia? — eu suspirei, pensando que era melhor contar tudo de uma vez.
Ariela: Porque ele é a polícia — disse, finalmente. Eu o olhei nos olhos. — Ele é um investigador no departamento de polícia de Bariloche. E ele não me chamava de Ariela. — acho que meus olhos demonstravam meu desespero — Ele me chamava de Olívia.

***
Junior ficou comigo até depois da meia-noite, escutando-me enquanto eu contava a história de minha vida. Quando eu estava cansada demais para continuar a falar, ele colocou seus braços ao redor de mim e se despediu com um beijo de boa noite.
***

NeymarJr. On
Eu e Ariela passamos uma boa parte das duas semanas seguintes juntos tanto tempo quanto podíamos. Considerando as minhas horas de trabalho com gravações, fotos, e os turnos de Ariela no restaurante, aquilo se resumia a algumas poucas horas por dia, mas eu ansiava pelas visitas que eu fazia à seu apartamento com uma expectativa que não sentia já havia algum tempo. Às vezes, Davi me acompanhava até lá.
Ariela raramente ia à minha casa e, quando o fazia, era apenas para visitas curtas. Em minha mente, eu queria acreditar que aquilo acontecia por causa da minha família, ou porque ela não queria apressar as coisas. Entretanto, uma parte de mim percebeu que aquilo acontecia por causa de Bruna, que estava sempre com minha irmã. Embora eu soubesse que amava Ariela — e a cada dia que passava estava mais seguro sobre aquilo — não tinha certeza de que realmente estivesse preparado. Ariela parecia entender minha relutância e parecia não se importar. Até mesmo porque era mais confortável para nós dois ficarmos a sós no apartamento dela.
Mesmo assim, ainda não havíamos feito amor. Embora eu sempre me apanhasse imaginando o quanto aquilo seria maravilhoso, especialmente nos momentos que antecediam o sono, eu sabia que Ari não estava preparada para isso. Nós sabíamos que aquilo significaria uma mudança no nosso relacionamento, um tipo de esperança perene. Por enquanto, era o bastante poder beijá-la, poder sentir os braços dela ao meu redor. Eu adorava o aroma do xampu de jasmim nos cabelos dela e o jeito que nossas mãos se encaixavam perfeitamente; a maneira pela qual cada toque era carregado de uma expectativa deliciosa, como se estivéssemos nos guardando um para o outro.
Desde a noite em que jantamos na casa de Ari pela primeira vez, ela não havia mais falado sobre seu passado e eu também não tocara no assunto. Eu sabia que ela ainda estava se esforçando para assimilar tudo aquilo em sua mente: o quanto ela já me contara e o quanto ainda havia por contar; saber se podia confiar em mim ou não; não conhecer a real importância sobre ela ainda ser casada; e, acima de tudo, o que aconteceria se Lorenzo a descobrisse aqui. Quando eu percebia que ela estava triste por pensar naquelas questões, eu a lembrava, gentilmente, de que, independentemente do que acontecesse, seu segredo estaria seguro comigo. Nunca contaria nada a ninguém.
Observando-a, eu às vezes me sentia tomado por uma raiva quase incontrolável em relação a Lorenzo. Aqueles instintos masculinos de agredir e torturar uma mulher eram tão estranhos para mim quanto a capacidade de respirar debaixo d’água ou voar. Mais do que qualquer coisa, eu queria vingança. Queria justiça. Queria que Lorenzo passasse pela mesma angústia e pelo mesmo terror que tinha provocado em Ari, as infindáveis sessões de castigos físicos cruéis.
Eu sabia que havia momentos em que a violência era necessária para salvar vidas. Em minha mente, a decisão de proteger uma mulher inocente como Ari de um psicopata como Lorenzo era tão clara como a diferença entre o preto e o branco — uma escolha simples.

NeymarJr Off

Eu gostava demais de Junior. Mais do que poderia ser seguro. Eu sabia que estava trilhando um caminho perigoso. Contar a ele sobre meu passado pareceu-me a coisa certa a fazer e abrir meus segredos para ele, de alguma forma, me libertara daquele fardo esmagador. Mas, na manhã seguinte àquele primeiro jantar, fiquei paralisada pela ansiedade em relação ao que tinha feito. Junior era um garoto público, afinal de contas; aquilo provavelmente significava que ele podia dar um, ou dois telefonemas independente do que eu lhe dissesse. Ele conversaria com alguém, e essa pessoa conversaria com outra, até que, após algum tempo, Lorenzo ficaria sabendo de tudo. Eu não lhe dissera que Lorenzo tinha uma capacidade quase sobrenatural de ligar as informações aparentemente desconexas; eu não havia mencionado que, quando um suspeito se tornava um fugitivo, Lorenzo quase sempre sabia onde encontrá-lo. O simples fato de pensar no que havia feito me embrulhava o estômago.
Entretanto, gradualmente, durante as duas semanas seguintes, eu senti meus medos desaparecerem. Em vez de fazer mais perguntas quando estávamos sozinhos, Junior agia como se minhas revelações não estivessem diretamente ligadas às nossas vidas em Santos. Os dias se passavam com uma espontaneidade tranquila, sem o incômodo causado pelas sombras de minha vida anterior. Eu não conseguia evitar aquele sentimento — eu confiava em Junior. Quando nos beijávamos, o que acontecia com uma frequência surpreendente, havia momentos em que eu sentia meus joelhos tremerem, e estava ficando cada vez mais difícil impedir o desejo de segurar na mão dele e arrastá-lo para o quarto.
No sábado, duas semanas depois do primeiro beijo, nós estávamos na varanda do meu quarto. Junior estava com os braços ao redor do meu corpo e seus lábios pressionados contra os meus. Mais tarde, levaríamos Davi — que estava dormindo na minha cama — para casa da mãe mas, durante as próximas horas, estaríamos a sós.
Quando finalmente conseguimos nos afastar, eu suspirei.
Ariela: Você realmente precisa parar de fazer isso.
NeymarJr: Parar de fazer o quê?
Ariela: Você sabe exatamente o que está fazendo.
NeymarJr: Não consigo evitar. — “Sei como é essa a sensação”, pensei.
Ariela: Você sabe do que eu gosto em você?
NeymarJr: Do meu corpo?
Ariela: Sim. Gosto disso também — disse rindo. — Mas há outra coisa. Você faz com que eu me sinta especial.
NeymarJr: Você é especial.
Ariela: Estou falando sério. Mas isso me faz pensar por que você nunca encontrou outra pessoa depois que rompeu o namoro com Bruna.
NeymarJr: Eu não estava à procura. Mas, mesmo que houvesse outra pessoa, eu a teria dispensado para poder ficar com você. — eu ri.
Ariela: Isso é muito indelicado — disse espetando-lhe as costelas com o dedo.
NeymarJr: Mas é verdade. Acredite ou não eu sou seletivo. Quando quero algo sério.
Ariela: Sim, eu imagino. Você só sai com mulheres que tenham traumas emocionais.
NeymarJr: Você não é do tipo traumatizada. Você é uma mulher corajosa. É uma sobrevivente. É algo bem sensual.
Ariela: Acho que você está tentando me elogiar, esperando que eu rasgue suas roupas aqui mesmo.
NeymarJr: Está funcionando?
Ariela: Está chegando perto — admiti, e o som do riso de Junior me lembrou novamente do quanto eu o amava.
NeymarJr: Estou feliz por você ter vindo morar em Santos. Poderia ser em Barcelona. Mas aqui já está de bom tamanho.
Ariela: Ah, sim... O que acontece quando você voltar para Barcelona?
NeymarJr: Não sei. — pensou um pouco — Vou dar um celular para você.
Ariela: Não precisa.
NeymarJr: Não estou perguntando se precisa. Só avisando. — riu.
Ariela: Olha, eu não preciso que você me dê um celular.
NeymarJr: Mas eu vou dar. Nada que você disser mudará isso.
Ariela: Você vive me dando coisas e isso tem que parar. Eu não quero nada de você. Não preciso de um guarda-chuva, nem de sapatos, nem de vinho. — esses eram os "presentes" que havia recebido durante a semana — E não preciso de um celular.
NeymarJr: Então dê o celular para alguém. Eu já o comprei — disse dando de ombros. — E também não quero ele. — Eu fiquei em silêncio e Junior me observou. Balancei a cabeça e me virei para sair dali. Antes que eu pudesse dar um passo, ele limpou a garganta. — Antes de ir, você poderia fazer a gentileza de ouvir o que tenho a dizer? — Virei o pescoço e olhei para Junior por cima do ombro.
Ariela: Não me importa.
NeymarJr: Mesmo que não se importe. — ele apontou para as cadeiras de balanço, hesitei por um momento antes de me sentar ao lado dele. — É só um celular. Só pra gente conversar e se ver quando eu não estiver mais aqui. Você não deve ser tão orgulhosa, Ariela. É só um celular.
Ariela: Então eu compro um.
NeymarJr: Compre se quiser. Mas você já tem um e, fim — suspirei, cedendo à discussão.
Ariela: Está bem. Mas chega de presentes, tá? — ele fingiu não escutar. — Estou falando sério — ele riu e se aproximou, colando nossos lábios. Quando nos separamos, eu suspirei. Por um instante, eu desapareci dentro de mim mesma.
NeymarJr: O que foi? — estudou-me o rosto, repentinamente em estado de alerta. Eu balancei a cabeça.
Ariela: Foi por pouco... — suspirei colocando os braços ao redor do corpo ao me lembrar da ocasião. — Eu quase não consegui chegar até aqui em Santos.


Flashback On
Era a manhã de um domingo, o dia seguinte à minha ida ao salão de beleza. Eu olhei no vaso sanitário para ver se havia algum sinal de sangue, certa de que havia visto alguma coisa depois de urinar. Meu rim ainda latejava e a dor se irradiava dos ombros até as canelas. A dor me manteve acordada por várias horas enquanto Lorenzo roncava ao meu lado, mas, felizmente, não era tão sério quanto podia ter sido. Depois de fechar a porta do quarto por trás de mim, manquei até a cozinha, lembrando a mim mesma de que, dentro de um ou dois dias, tudo aquilo estaria terminado. Mas eu precisava ter cuidado para não levantar as suspeitas de Lorenzo, tinha que fazer as coisas exatamente da maneira certa. Se ignorasse a surra que levara na noite anterior, ele ficaria desconfiado. Se eu me afastasse demais, ele também ficaria desconfiado. Depois de quatro anos naquele inferno, eu havia aprendido as regras do jogo.
Lorenzo teria que ir para o trabalho ao meio-dia, independentemente de ser domingo, e eu sabia que ele não tardaria a acordar. A casa estava fria e eu vesti uma blusa grossa de lã sobre meu pijama. Pela manhã, Lorenzo geralmente não se importava com aquilo, porque a ressaca o deixava letárgico demais para tomar qualquer atitude. Eu comecei a fazer o café da manhã e coloquei o leite e o açúcar na mesa, com a manteiga e a geleia. Coloquei os talheres para ele na mesa e deixei um copo de água gelada ao lado do garfo. Depois, coloquei duas fatias de pão de forma na torradeira, embora ainda não tivesse ligado o aparelho. Deixei três ovos sobre o balcão, onde poderia alcançá-los rapidamente. Em seguida, coloquei seis fatias de bacon na frigideira. Elas já estavam crepitando e chiando em meio à fritura quando Lorenzo chegou à cozinha. Ele se sentou à mesa e bebeu água enquanto eu lhe trazia sua xícara de café.
Lorenzo: Eu dormi feito uma pedra na noite passada. A que horas fomos para a cama?
Ariela: Por volta das 10, eu acho — coloquei o café ao lado do seu copo vazio. — Não estava tarde. Você tem trabalhado demais e eu sei que está cansado. — os olhos de Lorenzo estavam vermelhos.
Lorenzo: Desculpe pelo que fiz ontem à noite. Não queria ter feito aquilo. Estou trabalhando sob uma pressão muito forte ultimamente. Desde que James sofreu o ataque cardíaco estou tendo trabalhos em dobro, e o caso Preston começa esta semana.
Ariela: Está tudo bem — ainda sentia o cheiro do álcool no hálito de Lorenzo. — Seu café da manhã vai ficar pronto logo.
No fogão, eu virei as fatias de bacon com um garfo e a gordura quente respingou no meu braço, fazendo com que eu esquecesse temporariamente da dor que sentia nas costas. Quando o bacon estava crocante, eu coloquei quatro fatias no prato de Lorenzo e duas no meu próprio. Eu escorri a gordura e a guardei em uma lata de sopa, enxuguei a frigideira com uma toalha de papel e voltei a untá-la com óleo. Tinha que trabalhar rápido para que o bacon não esfriasse. Liguei a torradeira e quebrei os ovos. Lorenzo gostava que seus ovos estivessem fritos no ponto médio, com a gema intacta, e eu havia aprendido a fazer aquilo com perfeição. A frigideira ainda estava quente e os ovos não demoraram a estar prontos. Eu os virei na frigideira uma vez antes de colocar dois no prato dele e um no prato onde eu iria comer.
Eu me sentei à frente de Lorenzo, pois ele gostava de tomar o café da manhã acompanhado. Ele passou manteiga em sua torrada e acrescentou a geleia de uva antes de usar seu garfo para partir os ovos. A gema escorreu pelo prato como sangue amarelado e ele esfregou a torrada nos ovos antes de comê-los.
Lorenzo: O que você vai fazer hoje? — Ele usou seu garfo para cortar mais um pedaço do ovo. Mastigando.
Ariela: Estava pensando em lavar as janelas e colocar as roupas na máquina de lavar.
Lorenzo: Acho que os lençóis também precisam de uma boa lavagem, não é? Depois de termos nos divertido neles a noite passada — agitou as sobrancelhas. Seu cabelo estava desalinhado, com fios apontando para todas as direções, e ele tinha um pedaço de ovo grudado no canto da boca. Eu tentei não demonstrar o asco que sentia. Em vez disso, eu mudei o rumo da conversa.
Ariela: Você acha que vai conseguir prender os culpados no caso Preston? — Ele se inclinou para trás e agitou os ombros em um movimento circular antes de voltar a se curvar sobre seu prato.
Lorenzo: Vai depender da promotoria. Orlando é bom nisso, mas nunca se sabe. Preston tem um advogado malandro e ele vai tentar distorcer todos os fatos a seu favor.
Ariela: Tenho certeza de que tudo vai dar certo. Você é mais inteligente do que ele.
Lorenzo: Veremos. Eu detesto o fato de que o julgamento vai acontecer em Buenos Aires. Orlando quer me preparar para o testemunho na noite de terça-feira, depois que o tribunal encerrar as atividades do dia.
Eu já sabia de tudo aquilo e acenei afirmativamente com a cabeça. O caso Preston teve uma ampla repercussão na mídia e o julgamento começaria na segunda-feira, em Buenos Aires, não em Bariloche. Lorraine Preston havia supostamente contratado um homem para matar seu marido. Além de Juan Preston ser um bilionário que gerenciava fundos de investimentos, sua esposa também era uma celebridade social, envolvida no apoio a instituições filantrópicas que iam desde museus de arte até a organização de orquestras sinfônicas em escolas de bairros carentes. A exposição do caso antes do julgamento havia sido impressionante. Todos os dias, sem exceção, um ou dois artigos eram publicados na primeira página dos jornais e longas reportagens eram exibidas nos noticiários da TV. Quantias imensas de dinheiro, práticas sexuais estranhas, drogas, traição, infidelidade, assassinatos e um filho ilegítimo. Por causa de toda a comoção ao redor do caso, o julgamento havia sido transferido para Buenos Aires. Lorenzo foi um dentre vários policiais destacados para a investigação e todos deveriam dar seu testemunho na quarta-feira. Como todas as pessoas, eu estava acompanhando as notícias, mas, ocasionalmente, eu perguntava alguns detalhes a Lorenzo sobre o desenrolar do caso.
Ariela: Sabe do que você vai precisar quando sair do tribunal? De um passeio à noite para relaxar. Nós poderíamos sair para jantar. Você estará de folga na sexta-feira, não é?
Lorenzo: Nós fizemos isso no ano novo — resmungou, esfregando novamente uma fatia de torrada na gema que estava espalhada em seu prato. Havia restos de geleia em seus dedos.
Ariela: Se você não quiser sair, eu posso preparar algo especial aqui em casa mesmo. Qualquer coisa que você queira. Podemos tomar um vinho e talvez acender a lareira, e eu posso vestir algo bem sensual para você. Podemos fazer algo bem romântico. — Ele levantou os olhos do seu prato enquanto eu falava. — A questão é a seguinte: estou aberta a tudo o que você quiser — disse com uma voz doce. — Você precisa de uma folga. Não gosto quando você trabalha tanto assim. É como se eles esperassem que você solucionasse todos os casos que existem na cidade. — Ele tamborilou com seu garfo no prato, estudando-me.
Lorenzo: Por que você está agindo assim, toda meiga e carinhosa? O que está acontecendo? — Dizendo a mim mesma para continuar com a encenação, eu me levantei da mesa.
Ariela: Ah, quer saber? Esqueça. — Eu peguei meu prato e o garfo bateu contra ele, caindo sobre a mesa e depois no chão. — Estava tentando demonstrar meu apoio porque você vai ter que sair da cidade, mas, se você não gostou das minhas ideias, está tudo bem. Decida o que você quer fazer e depois me fale quando tiver tempo. — Eu andei rapidamente até a pia, pisando no chão com força, e abri a torneira com força. Sabia que o havia surpreendido e podia senti-lo vacilando entre a raiva e a confusão. Esfreguei as mãos sob o jato d’água e depois as levei ao rosto. Em seguida, inspirei o ar em golfadas rápidas, escondendo meu rosto e fazendo um som estrangulado. E levantei meus ombros com um pouco de esforço.
Lorenzo: Você está chorando? — Eu o ouvi arrastar a cadeira para trás para se levantar. — Por que diabos você está chorando? — Eu falei com a voz propositalmente embargada, esforçando-me ao máximo para fazer pronunciá-las entre meus soluços.
Ariela: Eu não sei mais o que fazer. Não sei o que você quer. Eu sei o quanto este caso é grande e importante e toda a pressão que você está sentindo... — Estrangulei as últimas palavras, sentindo que ele se aproximava. Quando senti que ele me tocava, eu tremi.
Lorenzo: Ei, está tudo bem — disse a contragosto. — Não precisa chorar. — Eu me virei em direção a ele com os olhos fechados, encostando o rosto contra o peito de Lorenzo.
Ariela: Eu só quero fazer você feliz — disse com a voz trêmula, antes de enxugar o rosto úmido na camisa dele.
Lorenzo: Vamos pensar em alguma coisa, certo? Teremos um ótimo fim de semana, eu lhe prometo. Para apagar o que aconteceu ontem à noite. — Eu coloquei meus braços ao redor dele, abraçando-o e soluçando. Tomei fôlego mais uma vez, inalando profundamente.
Ariela: Lamento muito por tudo isso. Sei que você não precisava ouvir isso logo hoje. Esse ataque de nervos que eu tive por causa de algo que não tem a menor importância. Você já tem muito com o que se preocupar.
Lorenzo: Vou conseguir dar conta de tudo — Inclinou a cabeça e eu me ergui para beijá-lo, ainda com os olhos fechados. Quando me afastei, eu enxuguei o rosto com os dedos e o abracei novamente. Quando ele me puxou para si, senti que Lorenzo estava ficando excitado. Eu sabia que minha vulnerabilidade o excitava. — Ainda temos algum tempo antes que eu tenha que sair para o trabalho.
Ariela: Preciso limpar a cozinha antes.
Lorenzo: Você pode fazer isso depois.

Alguns minutos depois, com Lorenzo se movimentando em cima de mim, fiz os sons que ele queria enquanto olhava pela janela do quarto e pensava em outras coisas.
Eu havia aprendido a odiar o inverno, com aquele frio insuportável e um jardim que ficava coberto por uma grossa camada de neve, porque não podia sair de casa. Lorenzo não gostava de deixar-me andar pelo bairro, mas deixava que eu cuidasse de meus canteiros de flores no quintal, pois havia uma cerca ao redor do terreno que me dava privacidade. Na primavera, eu sempre plantava flores em vasos e legumes em um pequeno canteiro ao lado da garagem, onde o sol brilhava com força, longe da sombra das árvores. No outono, vestia um suéter e lia livros que pegava emprestado na biblioteca enquanto as folhas secas e quebradiças cobriam o quintal.
Entretanto, o inverno fazia com que minha vida se transformasse em uma prisão — fria, cinzenta e triste. Um tormento. Eu passava vários dias sem colocar os pés para fora de casa, porque nunca sabia quando Lorenzo apareceria de surpresa. Sabia o sobrenome de um único casal de vizinhos, os Chávez, que viviam do outro lado da rua. Em meu primeiro ano de casamento, Lorenzo raramente me agredira e, algumas vezes, eu saíra para fazer caminhadas sem que ele me acompanhasse. Os Chávez, um casal mais velho, gostavam de cuidar do jardim e, no primeiro ano em que eu morara ali, eu frequentemente parava para conversar com eles. Lorenzo tentou gradualmente acabar com aquelas visitas amigáveis. Agora, só visitava os Chávez quando sabia que Lorenzo estava ocupado com o trabalho e quando sabia que não poderia me telefonar. Eu me certificava de que nenhum outro vizinho estava me observando antes de atravessar a rua correndo para bater na porta deles. Sentia-me como uma espiã quando os visitava. Eles me mostravam várias fotos de suas filhas, tiradas em diferentes épocas da vida. Uma havia morrido e a outra havia se mudado para longe, e eu achava que eles eram tão solitários quanto eu. No verão, eu preparava tortas de mirtilos para os Chávez e depois passava o resto da tarde limpando a farinha espalhada pela cozinha para que Lorenzo não desconfiasse.
Depois que Lorenzo saiu para o trabalho, eu limpei as janelas e coloquei lençóis limpos na cama. Passei o aspirador de pó e limpei a cozinha. Enquanto trabalhava, aproveitei para experimentar disfarçar a voz, praticando para falar com um tom mais grave, de modo que pudesse soar como se fosse a voz de um homem. Tentei não pensar no telefone celular que havia deixado para carregar durante a noite e escondido debaixo da pia. Mesmo sabendo que poderia nunca mais ter uma chance tão boa, ainda estava aterrorizada, pois havia muitas coisas que podiam dar errado.
Eu preparei o café da manhã de Lorenzo na manhã de segunda-feira como sempre fizera. Quatro fatias de bacon, ovos fritos no ponto médio e duas fatias de torrada. Ele estava mal-humorado e distraído e leu o jornal sem conversar muito. Antes de sair de casa, vestiu um sobretudo por cima do paletó e eu lhe disse que tomaria um banho.
Lorenzo: Deve ser ótimo acordar todos os dias sabendo que você pode fazer tudo o que quiser, na hora que quiser.
Ariela: O que vai querer para o jantar? — perguntei, fingindo não ter ouvido o que ele disse.
Lorenzo: Lasanha e pão de alho. E uma salada para acompanhar.
Quando Lorenzo saiu, eu fiquei em frente à janela, observando o carro dele se afastar até chegar à esquina. Assim que ele virou, fui até o telefone, sentindo-me até mesmo um pouco tonta ao pensar no que iria acontecer a seguir.
Quando liguei para a companhia telefônica, ela foi transferida para o departamento de atendimento ao cliente. Cinco, seis minutos se passaram. Lorenzo demoraria vinte minutos para chegar ao trabalho e, sem dúvida, ligaria para casa assim que chegasse. Eu ainda tinha tempo. Finalmente, um atendente começou a falar comigo e me perguntou meus dados. Nome, endereço e o nome de solteira da mãe de Lorenzo. A conta do telefone estava em nome de Lorenzo e eu recitei as informações na voz grave que havia praticado anteriormente. Aquela voz não era parecida com a de Lorenzo, talvez nem mesmo soasse masculina, mas o atendente estava com pressa e não percebeu.
Ariela: Eu gostaria de contratar um serviço de transferência de chamadas nesta linha telefônica. Seria possível?
Atendente: Existe uma taxa extra para a contratação do serviço, mas o serviço inclui chamadas em espera e correio de voz. Custa apenas...
Ariela: Está ótimo — disse interrompendo o atendente. — Mas seria possível ativar o serviço hoje?
Atendente: Sim.
Eu o ouvi digitar algo no computador. Demorou um bom tempo até que ele voltasse a falar. Ele me disse que a taxa extra apareceria na próxima fatura, que seria enviada na semana seguinte, mas que o valor mensal total seria cobrado, embora eu estivesse contratando o serviço hoje. Lhe disse que não haveria problemas. Ele pediu mais algumas informações e disse que eu poderia começar a usar o serviço imediatamente. Toda a transação havia levado dezoito minutos para ser concluída.
Lorenzo me telefonou da delegacia três minutos depois.
Logo depois do telefonema, eu liguei para o Super Shuttle, um serviço de vans especializado em levar pessoas para o aeroporto e para a rodoviária. Fiz uma reserva para o dia seguinte. Depois, com o telefone celular nas mãos, finalmente o ativei. Liguei para um cinema da cidade que repetia uma mensagem gravada com a programação dos filmes, para ter certeza de que o aparelho estava funcionando. A seguir, ativei o serviço de transferência de chamadas no telefone fixo, programando-o para que quaisquer chamadas fossem transferidas para o número do cinema. Para testar o esquema, usei o celular para ligar para o telefone fixo. Meu coração estava aos pulos quando o aparelho tocou. No segundo toque, a chamada foi transferida e ouvi a gravação com a programação do cinema. Senti algo se libertar dentro do peito e minhas mãos estavam tremendo enquanto desligava o aparelho celular e o recolocava na caixa de esponjas para a pia. Eu desprogramei o serviço de transferência de chamadas e o telefone fixo voltou a funcionar como antes.
Quarenta minutos depois, Lorenzo voltou a ligar.
Passei o restante da tarde em um estado de torpor, trabalhando sem parar para que minha cabeça não tivesse tempo de se preocupar.
Quando Lorenzo chegou em casa, o jantar estava pronto. Ele comeu a lasanha e falou sobre como tinha sido seu dia. Quando ele pediu para repetir o prato, eu me levantei da mesa e lhe trouxe uma segunda porção. Depois do jantar, ele bebeu vodca enquanto assistia a reprises de Seinfeld e O rei do bairro. Depois, assistiu ao jogo de basquete entre o Boston Celtics e o Minesotta Timberwolves e eu me sentei ao seu lado. Ele adormeceu em frente à televisão e caminhei até o quarto. Me deitei na cama, olhando para o teto, até que Lorenzo acordou e veio cambaleando para o quarto, desabando sobre o colchão. Ele adormeceu imediatamente, com um braço por cima de mim, e o barulho dos seus roncos soava como um aviso.


Como de costume, preparei o café da manhã de Lorenzo na manhã de terça-feira. Ele guardou suas roupas e artigos de higiene pessoal na mala e estava pronto para ir para Buenos Aires. Depois, levou suas coisas para o carro e voltou para a porta da frente, onde eu estava. E me beijou.
Lorenzo: Estarei de volta amanhã à noite.
Ariela: Vou sentir saudades — disse encostando a cabeça em seu ombro e colocando os braços ao redor do pescoço dele.
Lorenzo: Acho que devo chegar por volta das 8.
Ariela: Vou fazer algo que eu possa requentar quando você chegar em casa. Que tal milanesas?
Lorenzo: Acho que vou comer antes de voltar para casa.
Ariela: Tem certeza? Você vai mesmo querer comer em alguma lanchonete? Faz muito mal para você.
Lorenzo: Veremos.
Ariela: Eu vou preparar milanesas mesmo assim. Caso você mude de ideia. — Ele me beijou enquanto eu o abraçava.
Lorenzo: Eu lhe telefono mais tarde — disse deslizando as mãos pelas minhas costas. Acariciando-me.
Ariela: Eu sei.

No banheiro, me despi e coloquei minhas roupas sobre o vaso sanitário e depois enrolei o tapete. Eu havia forrado a pia com um saco de lixo e, nua, me olhei no espelho. Deslizei os dedos pelos hematomas que tinha nas costelas e no pulso. Minhas costelas estavam marcadas contra a pele e as olheiras davam ao meu rosto uma compleição quase cadavérica. Fui tomada por uma onda de fúria misturada com tristeza, à medida que imaginava como Lorenzo chamaria meu nome quando entrasse pela porta da frente, ao voltar da viagem. Ele me chamaria pelo nome e iria até a cozinha. Ele procuraria por mim no quarto. Verificaria também a garagem, a varanda dos fundos e o porão. “Onde você está?”, perguntaria ele. “O que temos para o jantar?”
Com a tesoura, eu comecei a cortar meu próprio cabelo com selvageria. Dez centímetros de cabelo ruivo caíram no saco de lixo. Eu peguei outra mecha, usando os dedos para puxar os fios, dizendo a mim mesma para medir o comprimento, e cortei novamente. Senti um forte aperto no peito.
Ariela: Eu odeio você! — sibilei com a voz trêmula. — O tempo todo me agredindo e humilhando! 
— Cortei mais mechas do cabelo, meus olhos se enchendo com as lágrimas da fúria.  Me bateu porque eu tive que fazer compras— Mais cabelos caíram na pia. Tentei me conter para igualar as pontas.  Fez com que eu roubasse dinheiro de sua carteira e me chutou porque estava bêbado! — Estava tremendo agora. Minhas mãos não conseguiam se firmar no trabalho. Mechas de tamanhos diferentes se acumulavam a meus pés. — Fez com que eu tivesse que me esconder! Bateu em mim com tanta força que eu vomitei! — Cortei novamente com a tesoura. — Eu amava você! — disse entre soluços. — Você prometeu que nunca mais me bateria e eu acreditei em você! Eu quis acreditar em você! — Eu cortava os cabelos e chorava. 
Quando meu cabelo já estava com um comprimento uniforme, tirei a tintura que havia escondido atrás da pia. Castanho claro. Em seguida, entrei no box e molhei os cabelos. Virei o frasco e comecei a aplicar a tintura no couro cabeludo. Fiquei em pé em frente ao espelho e chorei incontrolavelmente enquanto a nova cor se fixava nos cabelos. Ao final do processo, entrei novamente no box e enxaguei os cabelos. Eu os lavei com xampu e condicionador, e postei-me novamente em frente ao espelho. 
Cuidadosamente, apliquei o delineador nas sobrancelhas, escurecendo-as. Apliquei também creme bronzeador em minha pele, escurecendo-a. Vesti-me com uma calça jeans e um suéter e olhei para mim mesma no espelho. Uma mulher estranha, loira e de cabelos curtos olhou de volta para mim.
Eu limpei o banheiro com bastante cuidado, certificando-me de que nenhum fio de cabelo ficasse no piso do box ou no chão do banheiro. Outras mechas foram parar no saco de lixo, com a embalagem da tintura para cabelos. Esfreguei a pia e o balcão do banheiro e amarrei a boca do saco de lixo. Finalmente, pinguei colírio nos olhos, tentando apagar a evidência de minhas lágrimas.
Eu tinha que correr agora. Guardei minhas coisas em uma bolsa de viagem. Três calças jeans, dois suéteres, camisas. Calcinhas e sutiãs. Meias. Escova e pasta de dentes. Uma escova para o cabelo. Delineador para minhas sobrancelhas. As poucas joias que possuía. Queijo, biscoitos, nozes e uvas-passas. Um garfo e uma faca. Eu fui para a varanda dos fundos e peguei o dinheiro que deixara escondido debaixo do vaso de flores. Peguei também o telefone celular que estava na cozinha. E, finalmente, a identificação que precisava para começar uma nova vida — documentos que havia roubado de pessoas que confiavam em mim. Senti ódio de mim mesma por haver roubado e sabia que aquilo era errado, mas não tive outra escolha. Rezei e pedi a Deus que me perdoasse, pois já era tarde demais para voltar atrás.
Eu havia ensaiado a situação em minha cabeça milhares de vezes e andei rapidamente. A maioria dos vizinhos já havia saído para o trabalho. Não queria que ninguém me visse saindo de casa, não queria que ninguém me reconhecesse.
Coloquei um chapéu e vesti minha jaqueta, com um cachecol e luvas. Depois, enfiei minha bolsa de viagem embaixo da blusa que vestia, apertando-a e enrolando-a até que assumisse um formato arredondado. Até que eu parecesse estar grávida. Vesti também meu sobretudo por cima das roupas. A peça era grande o bastante para cobrir a barriga falsa.
Olhei-me mais uma vez no espelho. Cabelo curto e loiro. Pele cor de cobre. Grávida. Eu coloquei um par de óculos escuros e, ao sair pela porta, liguei meu telefone celular e programei o telefone fixo da casa para transferir as chamadas. Sai de casa pelo portão lateral, andando por entre minha casa e a do vizinho, seguindo a cerca, e coloquei o saco de lixo na lixeira da casa ao lado. Sabia que o casal que morava ali havia saído para trabalhar e que não havia ninguém em casa. Com os vizinhos de trás a rotina era a mesma. Então atravessei o quintal de meus vizinhos e sai pela lateral, finalmente chegando à calçada da rua, que estava coberta por uma fina camada de gelo.
A neve havia voltado a cair. Sabia que, no dia seguinte minhas pegadas já teriam desaparecido.
Precisaria caminhar por seis quarteirões, mas sabia que conseguiria fazê-lo. Mantive a cabeça baixa enquanto andava, tentando ignorar o vento cortante, sentindo-me estonteada, livre e aterrorizada, tudo ao mesmo tempo. Sabia que, amanhã à noite, Lorenzo andaria pela casa, chamando meu nome, e não me encontraria porque eu não estaria mais lá. E, amanhã à noite mesmo, ele já começaria sua caçada.

Flocos de neve riscavam o ar enquanto eu esperava no cruzamento, em frente à porta de um restaurante. Ao longe, eu vi a van azul do Super Shuttle dobrar a esquina e meu coração bateu mais forte no peito. Bem naquele momento, ouvi o telefone celular tocar. Empalideci. Os carros passavam em alta velocidade à minha frente, com os pneus fazendo barulho enquanto esmagavam a neve acumulada na rua. Ao longe, a van mudou de faixa, se aproximando do lado da rua onde eu estava. Eu tinha que atender; não havia outra escolha além de atender o telefone. Mas a van estava se aproximando e havia muito ruído na rua. Se atendesse agora, Lorenzo saberia que eu estava fora de casa. Ele perceberia que eu o havia abandonado. O telefone tocou pela terceira vez. A van azul parou em um sinal vermelho. A um quarteirão de distância.
Eu me virei, entrando no restaurante. Os sons estavam abafados, mas ainda eram perceptíveis — uma sinfonia de pratos batendo uns contra os outros e pessoas conversando. Logo à frente estava o púlpito da recepcionista, onde um homem pedia que ela o levasse a uma mesa. Senti meu estômago embrulhar. Eu cobri o bocal do telefone com uma das mãos e olhei pela janela, rezando silenciosamente para que ele não conseguisse ouvir a comoção que havia à minha volta. Senti minhas pernas tremerem enquanto pressionava o botão e atendia à ligação.
Lorenzo: Por que demorou tanto para responder?
Ariela: Eu estava no chuveiro. O que houve?
Lorenzo: Ainda faltam dez minutos para me chamarem no tribunal. E você, como está?
Ariela: Estou bem — Ele hesitou.
Lorenzo: Sua voz está estranha. Tem alguma coisa errada com o telefone?
A um quarteirão de distância, o semáforo acendeu a luz verde. A van do Super Shuttle se aproximou da calçada, com a luz da seta acesa, indicando que iria estacionar. Atrás de mim, as pessoas do restaurante haviam ficado surpreendentemente silenciosas.
Ariela: Não sei. Mas estou ouvindo você muito bem. Provavelmente o sinal de celular é ruim no lugar onde você está. Como foi a viagem?
Lorenzo: Não foi ruim depois que saí da cidade. Mas ainda há gelo cobrindo a pista em alguns lugares.
Ariela: Isso não parece ser muito bom. Tenha cuidado.
Lorenzo: Estou bem.
Ariela: Eu sei. — A van estava estacionando ao lado da calçada e o motorista estava esticando o pescoço, procurando por mim. — Detesto ter que fazer isso, mas você não quer me ligar daqui a alguns minutos? Ainda estou com o cabelo cheio de condicionador e preciso enxaguá-lo.
Lorenzo: Tudo bem. Ligo de volta em alguns minutos — resmungou.
Ariela: Amo você.
Lorenzo: Eu também amo você. — Eu deixei que ele desligasse antes de pressionar o botão para encerrar a ligação no celular. Em seguida, sai do restaurante e corri para a van.
Ao chegar à rodoviária, comprei uma passagem para o Brasil, detestando a atitude do homem que me vendeu a passagem que insistia em puxar assunto para conversar. Em vez de esperar no terminal, eu atravessei a rua para tomar café da manhã. O dinheiro para a van e para a passagem de ônibus haviam levado mais da metade do que eu guardara durante o ano, mas eu sentia fome. Pedi panquecas, salsicha e leite. Alguém havia esquecido um jornal sobre a mesa e eu me forcei a lê-lo. Lorenzo ligou para mim enquanto eu comia. Quando ele mencionou outra vez que a minha voz estava estranha, eu disse que poderia ser por causa da nevasca.
Vinte minutos depois, embarquei no ônibus. Uma senhora idosa apontou para a barriga falsa enquanto eu passava pelo corredor.
Senhora: Quanto tempo até o parto?
Ariela: Mais um mês.
Senhora: É o primeiro?
Ariela: Sim — respondi, mas minha boca estava tão seca que era difícil manter a conversa. Eu continuei andando pelo corredor do ônibus e sentei-me em uma das últimas poltronas. Havia pessoas sentadas à minha frente e também atrás. Do outro lado havia um jovem casal. Adolescentes, um deitado por cima do outro, escutando música. Suas cabeças balançavam para cima e para baixo.
Olhei pela janela enquanto o ônibus saía da rodoviária, sentindo-me como se estivesse sonhando. Na autoestrada, Bariloche começou a ficar cada vez menor na distância, cinzenta e fria. Minhas costas doíam conforme o ônibus avançava, correndo por quilômetros e quilômetros. A neve continuou a cair e os pneus dos carros continuavam espalhando a neve suja conforme passavam pelo ônibus.
Eu desejei poder conversar com alguém. Queria contar a alguém que estava fugindo porque meu marido me batia e que não podia chamar a polícia porque meu marido era a polícia. Queria contar a alguém que não tinha muito dinheiro e que nunca mais poderia usar meu próprio nome. Se fizesse aquilo, ele me encontraria e me arrastaria para casa. Voltaria a me bater e provavelmente não pararia. Queria contar a alguém que estava aterrorizada porque não sabia onde dormir naquela noite ou o que faria para conseguir comer quando meu dinheiro acabasse.
Senti o ar frio contra a janela conforme o ônibus passava por outras cidades. O trânsito na estrada diminuiu, mas pouco tempo depois a estrada voltou a ficar cheia. Eu não sabia o que fazer. Meus planos terminavam no ônibus e não havia ninguém a quem eu pudesse ligar para pedir ajuda. Estava sozinha e não tinha nada além das coisas que trazia comigo.
Uma hora antes de chegar ao Brasil, o telefone celular tocou novamente. Eu cobri o bocal com a mão e conversei com Lorenzo. Antes de desligar, ele prometeu ligar novamente antes de ir para a cama.

Cheguei ao Brasil no final da tarde. Fazia frio, mas não estava nevando. Eu sabia que nesse país não nevava.  Os passageiros desembarcaram do ônibus e eu me deixei ficar para trás, esperando que todos saíssem. No banheiro, tirei a bolsa de debaixo das roupas, fui para a sala de espera e sentei-me em um dos bancos. Meu estômago estava roncando. Peguei um pedaço do queijo e o comi com alguns biscoitos. Sabia que teria que fazer aquela comida durar e guardei o restante de volta na mala, mesmo que ainda estivesse com fome. Finalmente, depois de comprar um mapa da cidade, sai da rodoviária.
O terminal rodoviário não ficava em uma parte ruim da cidade que havia parado. Avistei um centro de conversões. Aquilo me fez sentir segura, mas também significava que nunca teria condições de pagar por um quarto de hotel naquela região. O mapa indicava que estava próxima de um bairro aparentemente calmo e, sem um plano melhor, caminhei naquela direção.
Três horas mais tarde, finalmente encontrei um lugar para dormir. O lugar era sujo e cheirava a fumaça de cigarro, e meu quarto mal tinha espaço para a pequena cama que haviam enfiado ali dentro. Em vez de uma luminária havia apenas uma lâmpada incandescente pendurada no teto e todos os quartos compartilhavam o mesmo banheiro, no final do corredor. As paredes eram cinzentas e estavam manchadas pela umidade. Nos quartos vizinhos, dava para ouvir as pessoas conversando em um idioma que havia muito tempo que não ouvia
. Mesmo assim, o dinheiro que eu tinha não me permitia ir para outro lugar. A quantia era suficiente para passar três noites ali, ou quatro, se eu conseguisse sobreviver com a pouca comida que havia trazido de casa.
Eu me sentei na beirada da cama, tremendo, com medo do lugar, com medo do futuro e com minha mente em um turbilhão. Tinha que ir ao banheiro, mas não queria sair do quarto. Tentei dizer a mim mesma que seria uma aventura e que tudo ficaria bem. Por mais estranho que parecesse, comecei a me perguntar se sair de casa teria sido um erro. Tentei não pensar na minha cozinha, no meu quarto e em todas as coisas que havia deixado para trás. Sabia que podia comprar uma passagem de volta para Argentina e chegar em casa antes que Lorenzo percebesse que fugira. Mas meu cabelo agora estava curto e castanho e isso eu não teria como explicar.
Do lado de fora, o sol já havia desaparecido, mas as luzes da rua iluminavam o quarto através da janela suja. Eu ouvi o som de buzinas e olhei para a rua. Na rua, todas as fachadas tinham nomes escritos com caracteres portugueses e algumas das lojas ainda estavam abertas. Dava para ouvir algumas das conversas que vinham dos cantos mais escuros e havia sacos plásticos cheios de lixo empilhados nas calçadas. Estava em uma cidade que não conhecia, cercada por estranhos. Pensei que talvez não conseguisse me libertar, afinal. Que não era forte o bastante. Em três dias, eu não teria um lugar para dormir a menos que conseguisse encontrar um emprego. Se vendesse minhas joias talvez pudesse pagar por mais uma noite no hotel, mas e depois? O que faria?
Eu me sentia muito cansada e minhas costas ainda latejavam. Deitei-me e o sono veio quase imediatamente. Lorenzo telefonou mais tarde e o toque do telefone me despertou. Precisei de toda minha energia e concentração para falar com a voz firme, para evitar que ele descobrisse minha fuga. Mesmo assim, fiz parecer como se estivesse tão cansada quanto realmente estava, fazendo com que Lorenzo acreditasse que eu estava na nossa cama. Depois que ele desligou, adormeci em poucos minutos.
Pela manhã, ouvi pessoas andando pelo corredor, indo em direção ao banheiro. Duas mulheres brasileiras estavam em frente às pias. O revestimento da parede estava coberto por um bolor verde e havia papel higiênico molhado no chão. A porta da cabine não tinha uma tranca e eu tive que segurá-la com a mão.
De volta ao quarto, tomei um café da manhã composto por queijo e biscoitos. Eu pensei em tomar um banho, mas percebi que havia me esquecido de trazer xampu e sabonete, então não haveria como fazer aquilo. Troquei de roupa e escovei meus dentes e cabelo. Em seguida, guardei minhas roupas novamente na bolsa de viagem, pois não queria deixá-la no quarto, e passei a alça por sobre o ombro. Desci pelas escadas e vi que o mesmo funcionário que havia me entregado a chave do quarto continuava atrás do balcão da recepção. Imaginei que ele nunca saía de trás do balcão. Paguei por mais uma noite e pedi-lhe que deixasse o quarto reservado.
Do lado de fora, o céu estava azul e as ruas, secas. Eu percebi que a dor em minhas costas havia quase desaparecido. Fazia frio, mas não tanto frio como em Bariloche e, apesar de meus medos, eu percebi que estava sorrindo. Fiz questão de lembrar a mim mesma que havia conseguido. Lorenzo estava a centenas de quilômetros de distância e não sabia onde eu estava. Ele ligaria mais uma ou duas vezes. Depois, jogaria o telefone fora e nunca mais teria que voltar a conversar com ele.
Levantei a cabeça e respirei o ar gelado. Sentia que o dia era revigorante, cheio de possibilidades. Hoje, iria encontrar um emprego. Hoje, decidira, eu começaria a viver o resto de minha vida.

Eu havia fugido duas vezes antes e gostaria de ter aprendido com meus erros. A primeira vez aconteceu pouco antes de completar um ano de casamento, depois que Lorenzo me bateu enquanto eu me agachava em um canto do quarto. As contas da casa haviam chegado e Lorenzo ficou irritado porque eu ajustara o termostato para deixar a casa mais quente. Quando finalmente parou de agredir-me, ele pegou as chaves do carro e saiu de casa para comprar mais bebida. Sem pensar no que estava fazendo, eu peguei minha jaqueta e sai de casa, mancando pelas ruas. Horas depois, com o granizo caindo e sem qualquer lugar para ir, eu lhe telefonei e ele foi me buscar.
Na ocasião seguinte, eu havia chegado até uma cidade perto de Buenos Aires, antes que ele me encontrasse. Eu havia tirado dinheiro da carteira de Lorenzo e comprado uma passagem de ônibus, mas ele me encontrou menos de uma hora depois de eu chegar ao meu destino. Ele me algemou no banco de trás do carro antes de voltar para casa. No caminho, ele parou o carro ao lado de um prédio de escritórios abandonado e bateu em mim novamente. Mais tarde, naquela noite, a arma surgiu.
Depois daquele episódio, ele criou mais obstáculos para mim. Deixava seu dinheiro guardado em uma caixa com um cadeado e começou a rastrear meu paradeiro de forma obsessiva. Eu sabia que ele tomaria atitudes extremas para encontrar-me. Por mais que fosse louco, Lorenzo era persistente e metódico e seus instintos raramente falhavam. Ele descobriria que eu estava no sul do Brasil e iria encontrar-me. Eu estava em vantagem por enquanto, mas, sem dinheiro para recomeçar a vida em algum outro lugar, tudo o que podia fazer era olhar por cima dos ombros, mas apenas por um breve período. O tempo que passaria ali seria curto.
Encontrei um emprego como garçonete para servir coquetéis no meu terceiro dia. Inventei um nome e um número de seguro social. Os dados seriam verificados depois de algum tempo, mas eu já teria ido embora quando aquilo acontecesse. Encontrei outro quarto para alugar na parte mais distante da cidade. Assim, trabalhei durante duas semanas, acumulando o dinheiro das gorjetas enquanto procurava por outro emprego. Quando encontrei, deixei o emprego de garçonete sem nem me incomodar em pegar meu salário. Não havia razão para aquilo. Sem uma identidade válida, não conseguiria descontar o cheque. Trabalhei por mais três semanas em um pequeno restaurante e me mudei para um outro hotel, que eu alugava por semana. Embora estivesse em uma parte mais perigosa da cidade, o quarto era mais caro, mas tinha um banheiro privativo com chuveiro quente. Valia a pena, mesmo que fosse apenas para ter um pouco de privacidade e um lugar onde pudesse deixar minhas coisas. Eu havia juntado algumas centenas de reais em gorjetas, mais do que tinha quando sai de Bariloche, mas ainda não era o bastante para recomeçar minha vida. Novamente, eu sai do emprego sem pegar meu salário, sem nem mesmo me incomodar em pedir demissão. Encontrei outro emprego alguns dias depois, novamente trabalhando em um restaurante. No novo emprego, disse ao gerente que meu nome era Érica.
As constantes mudanças de emprego e de hotel fizeram com que eu continuasse vigilante e foi lá, apenas quatro dias depois de começar, que eu virei uma esquina a caminho do trabalho e vi um carro que, de algum modo, me pareceu estranho. Eu parei.
Mesmo depois de muito tempo, ainda não sabia como pude perceber alguma coisa só porque o carro estava limpo o bastante para refletir os raios do sol da manhã. Enquanto olhava para o carro, eu vi que havia movimento no banco do motorista. O motor não estava ligado e me pareceu estranho perceber que havia alguém dentro de um veículo sem o dispositivo de aquecimento em uma manhã fria. Eu sabia que as únicas pessoas que faziam aquilo eram aquelas que estavam esperando por alguém.
Ou que estavam à procura de alguém.

Lorenzo.
Eu sabia que era ele. Sabia com uma certeza que me surpreendia. Dei meia-volta e virei a esquina de novo, voltando pelo mesmo caminho por onde viera, rezando para que ele não me tivesse visto pelo espelho retrovisor. Assim que o carro estava fora do meu campo de visão, eu comecei a correr de volta para o hotel, com o coração aos pulos. Não corria tão rápido assim há anos, mas todas as caminhadas que vinha fazendo nas últimas semanas haviam fortalecido minhas pernas e eu andei rapidamente. Um quarteirão. Dois. Três. Olhava constantemente por cima do ombro, mas Lorenzo não me seguia.
Aquilo não importava. Ele sabia que eu estava ali. Ele sabia onde eu trabalhava. Ele saberia de tudo se eu não aparecesse para trabalhar. Dentro de poucas horas, ele descobriria o lugar onde eu estava morando.
De volta ao quarto, joguei minhas coisas na bolsa de viagem e sai pela porta em poucos minutos. Comecei a andar rumo à rodoviária. Mesmo assim, levaria um tempo enorme para chegar até lá. Uma hora de caminhada, talvez mais. E eu não tinha tempo. Aquele seria o primeiro lugar onde ele iria quando percebesse que eu não estava no restaurante. Dando meia-volta, voltei para o hotel e pedi ao recepcionista para chamar um táxi. O veículo chegou dez minutos depois. Os dez minutos mais longos de minha vida.
Na rodoviária, examinei freneticamente os horários dos ônibus e escolhi um que iria para Santa Catarina e que sairia dali a meia hora. Eu me escondi no banheiro feminino até a hora de embarcar. Quando subi no ônibus, me deixei afundar em minha poltrona. O ônibus não demorou a chegar em Santa Catarina. Novamente, examinei os horários e comprei uma passagem que me levaria até o Paraná.
No início da noite, eu desembarquei do ônibus. Dormi na rodoviária e na manhã seguinte caminhei até um posto de gasolina à beira da estrada onde conheci um homem que faria uma entrega em São Paulo, capital. Alguns dias mais tarde, depois de vender minhas joias, eu cheguei até Santos, encontrei um apartamento simples. Depois de pagar o primeiro mês de aluguel, não tinha mais dinheiro para comprar comida.

Flashback Off

NeymarJr: Está tudo bem, meu amor. Estou aqui com você. — Ele estava com os braços ao meu redor, acariciando meus cabelos. — Vamos passar por tudo isso juntos.
Ariela: Você não precisa passar por isso, Júnior. — disse entre soluços. — Você tem tantas outras opções. Você não precisa disso.
NeymarJr: Para de falar merda, Ariela. Eu quero isso. Eu quero cuidar de você e te proteger. E é isso que vou fazer. Você tem que parar de querer me fazer mudar de ideia, você e nenhum outro alguém irá conseguir.